Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 11 de maio de 2005

Como Água Para Chocolate

É uma pena que nos dias de hoje, Como Água Para Chocolate não seja mais reconhecido como deveria. Infelizmente o mundo atual cientificizado e imediatista acaba moldando os “corações e mentes” daqueles que se metem a falar de cinema pelo mero achismo, que acaba esquecendo a dimensão poética do ser humano.

“Não se pode trocar ‘tacos’ por ‘enchiladas’.” É com esta afirmação da personagem Chencha que podemos contra-argumentar o desgosto do senso comum em relação ao filme Como Água para Chocolate, do diretor mexicano Alfonso Arau. A história de amor entre Tita (Lumi Cavazos) e Pedro (Marco Leonardi) leva muitos espectadores a proferir críticas sem qualquer embasamento estético, julgando a película como demasiadamente “banal” e “piegas”. Como Água para Chocolate pode até ser agridoce, mas não se encaixa em hipótese alguma numa produção banal. O uso da sensibilidade e do realismo fantástico não justifica a classificação negativa de pseudo-intelectuais que analisam o cinema a partir de um método (se é que existe) imediatista. Pelo contrário, tais características consideradas “banais” engrandecem o filme de uma carga significativa permeada de metáforas que só quem já leu alguma obra de Gabriel Garcia Márquez, entende do que eu estou falando.

Em relação à mostra em que está inserida (Comida, Diversão e Arte), o filme não precisou utilizar a escatologia gratuita para tratar do universo gastronômico. Provocando as sensações mais diversas, o saborear da comida de Tita conduz os personagens a enveredarem por caminhos que passam longe do óbvio. “O segredo é fazer a comida com amor”, afirma Tita. Impedida de expressar o que sente por Pedro, ela dedica-se aos afazeres da cozinha do rancho e, através de sua exímia habilidade culinária, elabora pratos que magicamente transmitem aos degustadores seus sentimentos. Este mote por si só desperta para outras possibilidades no campo da comunicação ao transformar o paladar num instrumento de envio e recepção de mensagens.

Inserido na época da Revolução Mexicana, Como Água Para Chocolate se passa num ambiente marcado pelos hábitos simples, pela vida rústica e pelos bons costumes. O amor de Tita por Pedro é reprimido por uma tradição estabelecida por gerações. Como filha mais nova, ela deve ficar solteira para poder cuidar da mãe Elena (Regina Torné) na velhice. Para continuar próximo de sua amada, Pedro casa-se com Rosaura (Yareli Arizmendi), uma das irmãs de Tita. Apesar do triângulo amoroso, o mais interessante no roteiro é a existência de personagens que se destacam da trama. A irmã mais velha de Tita, Gertrudis, é o exemplo de felicidade realizada após fugir com um sargento zapatista em uma situação pra lá de inusitada. A experiente cozinheira Nacha cuida de Tita como se fosse sua verdadeira mãe. Já a empregada Chencha alegra o rancho com seu jeito de ser brincalhão.

Sucesso de público e crítica no mundo todo no ano de seu lançamento (93), o filme foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e conquistou o prêmio de público como Melhor Filme e Melhor Atriz (Lumi Cavazos) no Festival de Cinema de Gramado. No México, recebeu dez prêmios Ariel, o Oscar mexicano, incluindo as categorias de Melhor Filme, Melhor Roteiro, Melhor Diretor, Melhor Ator e Melhor Atriz. Baseado no livro homônimo de Laura Esquivel, Como Água para Chocolate se encaixa como um dos melhores filmes já realizados pela cinematografia latino-americana e que iria mais tarde culminar em produções mexicanas de qualidade, como E Sua Mãe Também e Amores Brutos.

É uma pena que nos dias de hoje, Como Água Para Chocolate não seja mais reconhecido como deveria. Infelizmente o mundo atual cientificizado e imediatista acaba moldando os “corações e mentes” daqueles que se metem a falar de cinema pelo mero achismo, que acaba esquecendo a dimensão poética do ser humano.

P.S.: Resenha publicada no site CineClube Casa Amarela.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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