Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 04 de julho de 2005

Domésticas – O Filme

Lírico, engraçado e acima de tudo, extremamente inteligente, [b]Domésticas – O Filme[/b] é um excelente exemplo de como fazer um filme competentíssimo, com um roteiro simples, atores sem egos inflados e nem um pouco melodramático.

É incrível o modo como as pessoas evoluem. Fernando Meirelles começou sua vida audiovisual fazendo vídeos experimentais, junto com alguns amigos da faculdade. Passada a fase inicial, dirigiu o seu primeiro longa, O Menino Maluquinho 2, e então começou seu “ensaio” para o que viria a ser o melhor filme brasileiro de todos os tempos: Cidade de Deus. E o principal “ensaio” atende pelo nome de Domésticas – O Filme.

Com o seu roteiro baseado em uma peça teatral de sucesso, o filme nos leva a conhecer os medos, paixões, sonhos, frustrações e peripécias de cinco empregadas domésticas. Cida, Roxane, Quitéria, Raimunda e Créo são as cinco protagonistas. Casadas ou não, tementes a Deus ou não, aspirantes a modelo ou não, todas as cinco compartilham do que é ser doméstica no Brasil e compõem o retrato da nossa sociedade. E tudo isso orquestrado magistralmente por Fernando Meirelles e Nando Olivial.

A direção dos dois é incrível. Nunca puxando para o lado sensacionalista ou panfletário da coisa, ele criou uma obra forte, contundente, engraçada (não de cair de rir, mas é o autêntico filme que faz você passar todo o tempo dele com aquele sorriso no rosto), verossímil e, acima de tudo, assustadoramente cativante. Algo que também chama muita atenção é a forma como tudo é contado. Intercalando “depoimentos” delas, a utilização de filtros diferentes em momentos chaves da história, os diálogos afiadíssimos e o incrível dinamismo que as cenas têm compõem a pequena obra-prima que é esse filme.

O grande mérito deste Domésticas – O Filme é mostrar todo o drama vivido pelas domésticas brasileiras de modo lírico, mas sem nunca deixar de fazer a denúncia da realidade que é a vida dessas mulheres. Tudo ali é mostrado de forma mais real e sincera, fazendo com que você se identifique com as situações, mesmo não sendo empregada(o) doméstica(o).

Povoado por pessoas que ainda iriam brilhar nas telas, como a presença do atual interprete do personagem Moreno no seriado global Sob Nova Direção, o elenco secundário não deixa a desejar e segue o ritmo das cinco protagonistas (o que falar acerca da cara do porteiro quando olha para Roxane vestida como modelo e o inicio dos créditos, onde, ao invés de se tornar uma parte chata, é narrado in off por uma mulher que fala, caricaturalmente, como uma doméstica e acaba sendo um dos momentos mais interessantes do longa?).

Quantos aos aspectos técnicos, o filme é, invariavelmente, um prelúdio para Cidade de Deus. Desde os cortes secos, enquadramentos diferentes e a montagem que é um show à parte, ele se encaixa, como afirmei no primeiro parágrafo, uma espécie de “ensaio” para o longa seguinte de Meirelles.

No mais, recomendo que assista o quanto antes essa pequena pérola do cinema brasileiro que, assim como Narradores de Javé (outro longa que considero excepcional para os padrões tupiniquins), não teve a distribuição merecida e assim, poucas pessoas tiveram a sorte de encontrá-lo nas locadoras. Lírico, engraçado e acima de tudo, extremamente inteligente, Domésticas – O Filme é um excelente exemplo de como fazer um filme competentíssimo, com um roteiro simples, atores sem egos inflados e nem um pouco melodramático. É a história de muitas Marias, Clotildes, Valdecinas que surgem nos quatro cantos do país e que fazem uma enorme falta quando não a temos. Se entregue às músicas bregas, às maquiagens baratas, ao jeito peculiar de elas falarem, às incríveis historias de vida que cada uma tem e, se transponha, nem que seja por meros 90 minutos, para o universo em que elas vivem. Garanto que a viagem é, no mínimo, divertidíssima.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre