Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 15 de agosto de 2005

Guia do Mochileiro das Galáxias, O

O longa, como filme independende do estigma de "adaptação", é bom. Agora, para quem leu os livros, ele é uma verdadeira tortura. Isso é uma pena para quem esperava muito ...

Sou altamente suspeito para falar das obras que compõem o universo da saga “O Mochileiro das Galáxias” (dividida em cinco livros, mas apenas quatro publicados aqui no Brasil). Considero-me fã incondicional do humor sagaz, ácido e crítico que Douglas Adams destilou nas obras impressas. Portanto me senti extremamente triste quando chegou ao término da exibição da adaptação cinematográfica do primeiro livro da série. O porquê? Acho que só entenderá quem conhece (e gosta) dos livros. Ela foi tão mal feita, que chegou a ser constrangedor quando o Jose Wilker começou a dublar (acho que foi o primeiro filme híbrido entre dublado e legendado que vi, e olhe que escolhi "legendado" quando fui à bilheteria!) a voz em off do narrador do Guia do Mochileiro das Galáxias.

Calma. Não entre em pânico (isso ainda vai virar tão clichê quanto terminar algum texto sobre “Star Wars” com "Que a força esteja com vocês"). Vou explicar o que diabos é o Guia do Mochileiro das Galáxias. Comecemos pelo começo: Arthur Dent (Martin Freeman) é um terráqueo normal, que vive numa casa normal e tem uma vida normal. Até que um certo dia sua casa precisa ser demolida para dar lugar a uma rodovia. O dia começa péssimo e acaba (sim, pois logo a Terra irá ser destruída) pior ainda: ele descobre que seu amigo Ford Perfect (Mos Def) é um alienígena, enviado especialmente para coletar informações para o Guia (algo que irei explicar mais à frente) e que a Terra irá ser destruída em alguns minutos para dar lugar a uma rodovia hiper-espacial. Some isso a um presidente louco, que roubou uma nave e está sendo procurado exaustivamente por todos da galáxia, um robô maníaco-depressivo (Marvin, o melhor personagem do livro e do filme) e pronto! Você tem em mãos uma das obras mais insanas já pensadas. Infelizmente pessimamente adaptada para as telonas. Ah! Quase ia esquecendo: o Guia do Mochileiro das Galáxias é o maior guia inter-estrelar já produzido, ele consiste em um pequeno livro, com a frase, escrito em letras garrafais, na capa: "NÃO ENTRE EM PANICO". O modo de utilizá-lo é simples, basta perguntar a ele o que é algo e ele responderá.

“Um computador disparou, quando percebeu que uma câmara de descompressão abriu-se e fechou-se sem nenhuma razão.

Isso porque a Razão, naquele exato momento estava tomando um cafezinho.

Um buraco acabara de aparecer na Galáxia (…) Quando se fechou, um monte de chapéus de papel e balõezinhos de borracha saíram dele e se espalharam pelo o Universo.(…)

Duzentos e trinta e nove mil ovos estrelados também saíram, materializando-se sobre a forma de uma grande omelete na terra de Porghri, no sistema de Pansel, onde havia muita fome.

Toda a tribo de Porghril morrera de fome, com exceção de um último homem que morreu de intoxicação por colesterol algumas semanas depois.”

Apesar de ser pessimamente adaptado, perdendo toda a acidez explícita dos livros de Adams e se tornando, assim como foi “Garfield”, um filme para crianças, temos que ovacionar a Direção de Arte do longa. Ë incrível como a cada frame somos impressionados com naves novas, efeitos especiais muito convincentes, cenários grandiosos, enfim, ele, apesar de um pouco sacal, é um show visual sem precendentes, (sei que é ousado para eu afirmar algo desse tipo, mas, desculpem os fãs de “Star Wars”, este é `o` filme contemporâneo que melhor explorou as possibilidades de invencionismos e grandiloqüências de cenários) onde nada é posto apenas como adereço à cena e sim, algo necessário para a criação do clima imaginando e descrito por Adams.

Quanto às atuações, Martin Freeman foi bem convincente no papel de `homem-normal`. Sempre oscilando entre a dúvida de onde realmente está e a vontade de conhecer mais ainda o universo onde se encontra, Arthur faz com que nós realmente criemos um certo sentimento de pena dele. O mesmo se pode dizer acerca de Mos Def que vive na tela Ford Perfec. Já Sam Rockwell e Zooey Deschanel não convencem como Zaphod Beeblebrox e Trillian, respectivamente. O primeiro atua tão caricaturalmente que chega a incomodar (tudo bem que o personagem do livro é espaçoso, tem o ego infladíssimo e é o `ser mais mal vestido de toda a galáxia`, mas daí ele receber um interprete tão ruim é exagero).

Recomendo para quem não leu o livro. Pode ser que, com as poucas piadas bem adaptadas, você se interesse e vá comprar o livro e ai sim, conhecer realmente o mundo imaginado por Douglas Adams. Já para os fãs, pode se tornar uma verdadeira tortura ver as frases ditas por Marvin perderem toda a comicidade, se bem que é uma tarefa relativamente difícil transpor para a tela um diálogo como esse:

– Mas o que a gente vai fazer com um robô maníaco-depressivo?`
– Você acha que o seu problema é sério? E eu? O que faço se eu sou um robô maníaco-depressivo? Não, nem tente responder; eu sou 50 mil vezes mais inteligente que você e nem eu sei a resposta. Só ao tentar me colocar no seu nível intelectual, fico com dor de cabeça.

Enfim, como se deu pra perceber, o filme é uma péssima adaptação, mas pode ser que ele funcione como um filme independente, sem ter a estigma de adaptação. Quer um conselho? Leia o livro primeiramente, depois veja o filme e tire suas próprias conclusões.

*TODOS OS TRECHOS EM ITALICO SÃO PASSAGENS DO LIVRO “O GUIA DO MOCHILEIRO DAS GALÁXIAS”

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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