Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 07 de agosto de 2005

Ilha, A

“A Ilha” é uma típica produção que possui uma premissa interessante, mas que acaba se perdendo nas cenas de ação repetitivas, bem típicas dos filmes de Michael Bay. Mesmo assim, consegue se mostrar bem mais interessante do que outros trabalhos anteriores do diretor, apresentando boas seqüências, além de uma dupla de protagonista que convence em cena.

Filmes que passaram por problemas durante as filmagens e não tiveram uma divulgação digna de uma superprodução, geralmente já chegam aos cinemas completamente desacreditados. Ainda mais se o diretor for Michael Bay (“Armageddon”, “Pearl Harbor”), que só o fato de seu nome estar na produção, os críticos já passam a vê-la com um pé atrás. E é exatamente nesse contexto que “A Ilha” chega aos cinemas. Custou U$: 122 milhões, tendo arrecadado “apenas” U$ 12 milhões em sua estréia e vem sendo fuzilado pelas críticas mundiais. Apesar disso tudo, o filme não merece essa total falta de reconhecimento. Tudo bem, ele não passa de mais um blockbuster esquecível, repleto de merchandisings, mas no final das contas, é impossível não se deixar ser levado pela adrenalina com as ótimas cenas de ação e o som quase sempre ensurdecedor. Podemos muito bem definir “A Ilha” como uma “bobagem divertida”.

Lincoln Six-Echo (Ewan McGregor) é um morador de um utópico, porém rigorosamente controlado complexo em meados do século 21. Assim como todos os habitantes deste ambiente cuidadosamente controlado, Lincoln sonha em ser escolhido para ir para "A Ilha" – dita o único lugar descontaminado no planeta. Mas Lincoln logo descobre que tudo sobre sua existência é uma mentira. Ele e todos os outros habitantes do complexo são na verdade clones cujo único propósito é fornecer “partes sobressalentes” para seus humanos originais. Percebendo que é uma questão de tempo antes que seja “usado”, Lincoln faz uma fuga ousada com uma linda colega chamada Jordan Two-Delta (Scarlett Johansson). Perseguidos sem trégua pelas forças da sinistra instituição que uma vez os abrigou, Lincoln e Jordan entram em uma corrida por suas vidas.

O começo é bastante interessante, nos mostrando um futuro não tão distante (2015 para ser mais exato), mas completamente utópico com as pessoas tendo suas vidas controladas desde a alimentação, as vestimentas, ao livre arbítrio (incluindo o desejo de se aproximar de outras pessoas) e a liberdade de pensamento em geral. A “apresentação” desse mundo ao expectador, que ocupa cerca de um terço da projeção, é exatamente a parte mais interessante e nos deixa envolver com a trama de forma a imaginarmos como seria a conclusão para essa situação tão absurda. Fora as inúmeras analogias e críticas que podemos tirar a partir deste contexto, como a repressão e falta de liberdade que nós humanos passamos perante o capitalismo e a burguesia no geral. É interessante lembrar que o filme apesar de ser uma ficção, apresenta um assunto bastante discutido nos dias atuais: a clonagem. Muito se fala nos telejornais que a partir da clonagem, será possível obter réplicas de tecidos ou órgãos, podendo salvar a vida de milhões de pessoas que precisam desses transplantes. Mas pouco se fala sobre a criação de um clone humano para viver em nosso mundo, sendo ele considerado uma pessoa comum, assim como nós. Pois esse interessante aspecto é exatamente o foco do filme. Mas, infelizmente, o roteiro não consegue segurar a constância do enredo, e uma vez que apela para cenas de ação, não pára mais, chegando a ficar cansativo lá pela décima explosão.

Michael Bay teve a sorte de obter um bom enredo, mas a sua direção simplesmente continua a mesma, apelando exaustivamente para cortes em edição rápida (supersônica melhor dizendo), nunca conseguindo manter a câmera fixa em uma única seqüência de ação, deixando quase sempre o filme com aquela cara de videoclipe (e como parece!), chegando a dar dores de cabeça com tantas seqüências em curtíssimos intervalos de tempo. Para se ter uma idéia de como Michael Bay não sabe inovar, uma certa seqüência de perseguição de carros, em que objetos pesados começam a cair de um caminhão, é quase idêntica a que foi vista em “Bad Boys 2”. Sem falar em diversos outros momentos que lembram outras produções suas como “A Rocha” (talvez o seu melhor trabalho).

Quero deixar bem claro uma coisa: de forma alguma o fato de o filme se apoiar demasiadamente em cenas de ação o enfraqueceu, mas o grande problema é mesmo a fraca direção de Bay que conseguiu quebrar o ótimo ritmo que ele vinha seguindo, para dar espaço às suas mirabolantes e excessivas técnicas de filmagem. Analisando as cenas de ação por elas mesmas, podem ter certeza que a maioria é de tirar o fôlego, com direito a explosões, perseguições e brigas aos montes. Uma coisa é certa: é preciso ir assistir “A Ilha” com o intuito de ver um filme de ação, e não uma ficção científica com teor filosófico, que é como promete. Visto como um filme de ação sem cérebro, “A Ilha” é diversão garantida. Só avisando: cenas mentirosas acontecem também aos montes, mas não a ponto de provocar raiva no expectador. Para quem é acostumado a ver Tom Cruise fazendo mágicas em “Missão: Impossível”, ver um carro sendo partido ao meio por um caminhão e os protagonistas saírem ilesos é fichinha.

Parece até ironia, mas “A Ilha” é quase um clone de diversas produções como “Minority Report”, “Blade Runner”, "A Fortaleza" e o menos famoso “Equilibrium”. Mas óbvio, sem o brilho dessas produções. O futuro anárquico do começo apresenta todo aquele visual chocante de “Blade Runner” e “Minority Report”, o que não deixa de ser um atrativo visual, mesmo não sendo novidade. Mas na verdade, é em outro marco do cinema que “A Ilha” se espelha de maneira mais descarada. Confira: seres vivendo em um mundo paralelo, sendo guiados por mentiras e passando a acreditar em tudo que vêem. Nesse mundo paralelo, seres vivem em casulos em estado vegetativo, prontos para fornecer energia (no caso, suas partes orgânicas) para o seu “eu próprio” existente na outra realidade. Por fim, tem o ser “predestinado” a acabar com essa divisão de mundos e libertar todos que são escravos dessa mentira. Pensou em “Matrix”? Exato. É simplesmente impossível não lembrar de “Matrix” perante tamanhas referências claras.

Quanto as interpretações, Ewan McGregor e Scarlett Johansson convencem em cena. Não sendo um casal badalado como Brad Pitt e Angelina Jolie, foi possível conferir muito glamour aos seus personagens sem que tirasse a atenção do filme. Ewan confere peso a Lincoln Six-Echo, dando toda a carga emocional (muitas vezes, a falta dela quando necessária) que ele exige. Já Scarlett, se mostra às vezes perdida em cena, mas passa a ficar bem quando está ao lado de Ewan. Quanto ao elenco de coadjuvantes, apenas Steve Buscemi (“Cães de Aluguel”) se destaca como um amigo de Lincoln Six-Echo. Em mais um papel secundário em sua carreira, ele aparece pouco, mas rouba a cena com bons diálogos. Em um diálogo com o personagem de Ewan, ele é perguntado “Quem é Deus?”, ele ironicamente responde: “Sabe quando você quer muito uma coisa, você fecha os olhos e faz um pedido? Deus é o cara que te ignora.” Já Sean Bean (o Boromir de “O Senhor dos Anéis”), abusa das caras e bocas, transformando seu personagem em um vilão completamente canastrão e que de forma alguma parece ser uma ameaça para alguém. Enquanto o excelente ator africano Djimon Hounsou (“Terra dos Sonhos”), que faz o mercenário que persegue a dupla de protagonistas, pouco tem a fazer em cena, impossibilitando-o de mostrar sua ótima veia dramática.

Por fim, o fato de “A Ilha” não ter recebido uma maior divulgação pode até ter sido bom, pois, do contrário do que aconteceu com “Guerra dos Mundos”, não atenuou demais às expectativas das pessoas deixando aberta a possibilidade de se decepcionar ao assisti-lo. “A Ilha” é mais um filme de ação esquecível, com certeza, mas como estava longe de ser um dos mais aguardados do ano, acabou se tornando uma grata surpresa que garante um pouco mais de duas horas de muita diversão acéfala. Só é uma pena o fato de uma história tão boa ter caído justo nas mãos de Michael Bay.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

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