Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 11 de abril de 2006

Oldboy

Extremamente forte e excitante. Uma união feliz do rude com o singelo, como a própria vida.

Bem costurada, a história apresenta a vida de, Oh Dae-su (Choi Min-sik), um homem que, após permanecer 15 anos preso sem saber o motivo, parte em busca de vingança. Neste percurso, entra num jogo que se volta contra ele. Lee Woojin (Yo Ji-tae) revela ser o responsável por sua prisão, fato que reserva à história uma estranha reviravolta.

O roteiro, baseado num mangá de Tsuchyia Garon e Minegishi Nobuaki, carrega diálogos expressivos, cheios de provérbios e frases marcantes. O filme parece demorar mais do que aparenta tamanha é a preocupação com cada pequeno detalhe. Da composição de cada quadro à mais instigante música, Chanwook Park mostra como se faz um filme inteligente e inrotulável, que reúne variados elementos de ação, aventura, suspense, drama e qualquer outro molde facilmente reproduzível que a indústria do entretenimento narcotizante queira inventar. O filme é o segundo de uma “trilogia da vingança” realizada pelo diretor Chanwook Park, sendo o primeiro Sr. Vingança(2002) e o último Lady Vingança (2005).

A câmera sente cada espaço da cena. Dono de considerável sensatez, Chanwook Park utiliza travellings longos seguidos de câmera na mão, às vezes com corte secos e belos, às vezes dando saltos de continuidade, como na cena em que Oh Dae-su está embriagado. Os primeiríssimos planos (planos de detalhe) são escolhidos de forma criteriosa e não agridem a percepção do espectador, de forma que sua atenção não está inteiramente sujeita às determinações do diretor, que se faz presente na escolha de ângulos, cortes e movimentos de câmera. O diretor de Oldboy evita a máxima “plano-contraplano” do cinema tradicional, usado para dar mobilidade aos diálogos, mas valoriza cada plano criativamente, como no diálogo visto pela webcam. Por sua vez, a montagem procura a composição de quadro, dando fluidez e beleza às passagens de cena, fazendo-as “dialogar” entre si e recriar um novo filme no próprio processo de montagem.

A trilha sonora inspira uma atmosfera envolta em mistério e suspense, tendo momentos altos nas cenas de forte impacto, como na “cuidadosa” extração de dentes, quando há um êxtase sado-masoquista embalado pela música erudita (acredito ser de Mozart). A valsa dramática e suave cai bem como música principal. Embora se trate de um filme que de fato narra uma história, é mais que válida a preocupação em não se utilizar daquilo que é exaustivamente re-produzido no cinema. Re-produção que se fortalece desde o estabelecimento da linguagem narrativa robótica e dominante, consumada pelo sepultamento da audácia inventiva e legitimada por parte do público e parte da crítica.

A voz do narrador, o próprio Oh Dae-su, relata aos espectadores não apenas os momentos pelos quais passa como também os pensamentos que vêm à sua mente. A sensação é de que temos Oh Dae-su assistindo ao filme do nosso lado, sussurrando suas impressões sobre os acontecimentos.

O longa levanta questões polêmicas, tais como o papel da televisão (atualmente fonte de princípios e valores, conceitos antes buscados na família, na religião e nos amigos); a condenação social a tabus, sejam eles apoiados na ciência ou em normas sociais, a exemplo do incesto… etc. A dificuldade aqui está em como sintetizar várias idéias num texto que se propõe curto.

As cenas de ação demonstram que não é necessária uma equipe especializada em efeitos especiais para criar uma boa seqüência de luta, até bem mais aceitável do que as vistas atualmente, que sempre se justificam em cima de um detalhe da história, transformando todos num superman. Não há, no longa, o maniqueísmo fácil e quadrado que rege as emoções e os personagens vistos em muitos filmes. A realidade da trama está apoiada nas imperfeições que são próprias da vida de qualquer pessoa. O espectador não é obrigado a torcer por fulano ou sicrano, mas sim convidado a sentir o peso da complexa missão de “levar uma vida (a)normal”.

Os instantes finais reservam a catarse tão esperada, a purificação que conforta e repõe o oxigênio do espectador, que provavelmente se deixará marcar pelo filme: uma boa história contada com talento. O perturbador drama urbano, também umedecido com gotas sabor romance e humor, agrada. Se você acredita que atualmente há poucos filmes que sabem como contar boas histórias, dê uma olhada em Oldboy e confira mais um a figurar entre os poucos.

Raphael PH Santos
@phsantos

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