Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de março de 2006

Sal de Prata

Sal de prata é o nome que se dá à substância química que torna o filme de cinema sensível à luz, uma fina película de acetato de celulose; método cada vez menos utilizado em tempos de digitalização das filmagens. O cineasta Carlos Gerbase escolheu esse título para o seu quarto longa-metragem (ou, como chama o diretor, “filme de verdade”).

Cátia (Maria Fernanda Cândido) é uma economista bem-sucedida e independente que namora um cineasta fracassado, Rudi Veronese (Marcos Breda), que tira o seu sustento de uma pequena loja de revelações. Ela mantém um apartamento moderno, luxuoso, mas, ainda assim, aceita a proposta do namorado de morarem juntos em sua espelunca. Porém, por uma desventura qualquer, a relação dos dois vê-se abalada, fazendo com que, de certa forma, Cátia, que sempre esteve ausente em relação aos assuntos profissionais do namorado, entre em contato com eles. Tais assuntos abraçam roteiros inacabados para curtas-metragem e um grupo de malucos que dificilmente abrirá mão desses textos. O que supostamente deveria ser uma homenagem ao cinema não passa de um samba-do-crioulo-doido.

“Sal de Prata” é iniciado com um monólogo de Camila Pitanga em que a moça “questiona” valores éticos e morais, enquanto simula estar recebendo sexo oral de alguém. Em meio a caras, bocas e suspiros, a personagem lamenta o fato de que a censura elevada do filme resultará em baixos números na bilheteria. Constrangedor. Não o fato de se tratar de uma simulação de cunnilingus, mas por estarmos falando de uma cena forçada, sem cabimento e muito mal interpretada, além de desnecessária, já que não condiz com o restante do filme. Desabafo altruísta? Quiçá mera necessidade de choque e atenção?

O apartamento de Veronese é repleto de pôsteres de cinema; “Noites Felinas”, “A Bela da Tarde”, “Cidadão Kane”, “Laranja Mecânica” e por aí vai, numa tentativa forçada de provar ao espectador um mínimo de conhecimento fílmico do diretor. Difícil distinguir se falamos do diretor da ficção ou da realidade.

Muito elegantes, algumas personagens parecem ter saído do casting de um filme europeu. Isso pode até funcionar com os argentinos, mas por aqui não deu certo. O elenco é inexpressivo a ponto de se assemelhar a um bando de robôs mal controlados.

A trilha sonora, único aspecto que poderia salvar o filme do desastre, encontra-se incrivelmente mal encaixada, utilizada em demasia exatamente nos momentos em que o silêncio é peça fundamental. Ainda mais impressionante nesse misto de diálogos fraquíssimos, roteiro medíocre e direção pior, é que a montagem, que não fica muito atrás, levou o Kikito de Ouro no Festival de Gramado.

O cúmulo da mediocridade é quando Cátia, que nunca tivera contato com o cinema e é ignorante a ponto de se sentir incomodada com roteiros simples que, para ela, não fazem sentido, passa a fazer filmes. Fala como uma antiga apaixonada quando não é essa a realidade mostrada ao decorrer da narrativa. Os mais maldosos podem questionar com qual dos dois personagens centrais Gerbase se identifica melhor.

Cinema com Rapadura Team
@rapadura

Compartilhe

Saiba mais sobre