Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 11 de abril de 2006

Seabiscuit – Alma de Herói

Baseado no livro Seabiscuit – uma lenda americana, de Laura Hillenbrand, o filme traz a história verídica de um treinador carrancudo, um jóquei desacreditado e um cavalo mal-amado. O resultado se reflete em uma produção bastante agradável, além de passar alguma lição de vida.

O filme se passa na década de 30, quando aconteceu o período negro da historia econômica americana conhecida como Grande Depressão. Foi nesse período que ocorreram fatos como a quebra da Bolsa de Valores de Nova Iorque refletindo a crise mais geral do capitalismo liberal e da democracia liberal. Em meio esses fatos históricos Howard (Jeff Bridges), um dos maiores comerciantes de automóveis do país, reencontra o antigo fascínio por cavalos, após ter perdido entes queridos. Utilizando-se desse sentimento, começa a investir em cavalos de corrida.

Toda grande equipe é feita de um grande investidor, um bom treinador, bons competidores e um bom relacionamento entre os três. Dessa forma, Howard começa a procurar um treinador para seus investimentos. Encontra e contrata Tom Smith (Chris Cooper): calado e excêntrico, que não conseguia emprego fixo e conversa mais com cavalos do que propriamente pessoas – talvez pelo fato de confiar mais neles. Por sua vez Smith passa a procurar um animal diferente. Ao olhar por algum tempo, viu o que almejava em Seabiscuit, eqüino preguiçoso, de pernas tortas, maltratado e rebelde, porem com um grande potencial adormecido. Para fim, precisava-se de um jóquei. Sua escolha tratou de ser semelhante. O treinador se depara com Red Pollard (Tobey Maguire, famoso por Homem-Aranha) por acaso e identifica no rapaz as mesmas qualidades e problemas do seu cavalo. Abandonado quando adolescente, o fracassado Red passa a vida fazendo bicos e montando por comida e moradia. Juntos, Howard, Pollard, Smith e Seabiscuit dão inicio a um trabalho que entrará para a história.

O filme tem ares de épico. Notável ficou a grandiosidade do que representava, para a época, uma corrida de cavalos, pela bela demonstração dos circuitos, recriação fiel das corridas e a sensação de velocidade. O diretor Gary Ross (A vida em preto e branco), mistura imagens de arquivo com as filmagens e ambienta o espectador em um dos períodos economicamente mais desesperadores que já viveu o povo americano. Gary deu um baile ao recriar as famosas corridas de Seabiscuit, tanto no visual auditivo quanto no sentimental. Vale frisar o ótimo trabalho feito ao registrar velocidade em película. Nada daquelas demonstradas em filmes como Velozes de Furiosos… Em Seabiscuit a ação traz consigo uma carga emocional intensa, a qual só nos causa alívio quando o animal cruza a linha de chegada. Diga-se de passagem, se você for fã dessas corridas, vibrará tal como em um Jóquei Clube.

Em termos de elenco o filme não peca. Foram usados jóqueis de verdade – inclusive o campeão Gary Stevens, interpretando limitadamente o amigo de Pollard, George Wolf. O próprio Maguire teve de aprender a montar como profissional, o que quase lhe custou o papel de Peter Parker em Homem-Aranha 2, pois suas costas ficaram prejudicadas e foi necessário um intenso tratamento para que ele pudesse voltar a saltar entre os prédios e soltar suas apreciadas teias. Sim, ele agrada na interpretação. Em dados momentos deixa a desejar, mas nada que comprometa o todo. Por outro lado, Chris Cooper foi quase impecável em seu papel de treinador bruto e desacreditado. Causou honraria ao personagem. Jeff Brigdes, como já era de se esperar, cumpre seu papel normalmente. Espetacular mesmo foi William H. Macy como o narrador Tick-Tock McGlaughlin.

Toda produção grandiosa vem acompanhada de uma agradável trilha sonora, mas essa superou o agradável. Digamos que tudo foi minuciosamente colocado no momento certo, para se ter a sensação certa. As recriações das narrações foram tão perfeitas, a ponto de render a William H. Macy uma vaga em qualquer emissora de rádio, pois além de nos causar êxtase, rouba-nos umas boas risadas.

O cenário, como já descrito, está impecável, mas não se assegure de que vale a pena sair apostando em corridas de cavalos para apreciar o espetáculo e ganhar uma grana divertida, ainda mais aqui no Brasil onde não se cultiva esse costume. Vá trabalhar que é melhor!

Finalmente, o filme é nobre, grandioso e cheio de boas intenções. Seabiscuit deve agradar a qualquer cinéfilo em busca de ação e emoção, mas que não queira se sujeitar a explosões, sangue e gritaria. Também consegue ser uma importantíssima crítica social e uma bela homenagem à lendária equipe de corrida de cavalos que retomou o brilho nos olhos de pessoas, as quais se viam falidas e na decadência pelo mau andamento em seus negócios.

Raphael PH Santos
@phsantos

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