Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 23 de novembro de 2023

As Marvels (2023): apressando a fórmula

Novo longa do MCU adota uma celeridade exagerada, e como consequência se torna um entretenimento esquecível.

Um jeito óbvio e simples de iniciar um texto sobre “As Marvels” seria abordar o esgotamento do gênero de super-heróis, em especial os que seguem a fórmula Marvel. Seria possível também trazer argumentos favoráveis ou contrários ao boicote que o longa sofreu — e isso poderia ocasionar o aparecimento de termos como “woke” e “lacração”. Ou ainda poderíamos tecer inúmeras teorias sobre a continuidade do MCU baseado unicamente em mais uma cena pós-créditos que prenuncia um futuro que nunca chega. A verdade é que tudo isso constrói um contexto ao redor do filme que alimenta um debate infindável e esquece do que deveria ser o principal objeto da discussão: o próprio filme.

E quando olhamos diretamente para “As Marvels”, um sentimento domina as percepções: pressa. Temos uma obra com três protagonistas e uma vilã, além de várias participações especiais, e todas precisam se encaixar para caber nos 105 minutos de duração. Se por um lado o trio principal dispensava apresentações demoradas (estas realizadas em “Capitã Marvel”, “WandaVision” e “Ms. Marvel”), por outro o longa parece não saber distinguir um excesso supérfluo de uma sequência importante para o desenvolvimento de personagens, motivações e afins. Tudo é apresentado muito rápido, discutido muito rápido e resolvido muito rápido. 

O filme traz Carol Danvers (Brie Larson), Monica Rambeau (Teyonah Parris) e Kamala Khan (Iman Vellani) com seus poderes imprevisivelmente conectados devido a um acontecimento cósmico. Nesta condição, elas precisam se unir e aprender a trabalhar em sincronia para deter uma inimiga em comum, a nova governante dos Kree, Dar-Benn (Zawe Ashton). Os poderes entrelaçados geram a maioria das cenas de humor — com destaque para a jovem Ms. Marvel enfim conhecendo sua heroína favorita —, enquanto as ações da vilã compõem o núcleo dramático juntamente com o reencontro entre Monica e sua “Tia Carol” depois de muitos anos.

As sequências cômicas provocam uma sensação de leveza e descompromisso, o que é bem-vindo para um universo em que as consequências futuras vêm sendo mais priorizadas do que as ações presentes. O trio funciona bem junto, mas Kamala rouba a maioria das cenas para si. É impressionante como a personagem pode ser vista como o frescor que a Marvel precisava ou como uma simples adolescente irritante, tudo baseado na mesma atuação. O contraste de opiniões é apenas mais um sintoma de que o público-alvo do estúdio está se segmentando baseado no gosto ou desgosto por uma narrativa voltada aos jovens. Não por acaso, a montagem segue essa tendência, apressando a trama e apostando tudo na aceleração do ritmo, quase como a dinâmica frenética dos TikToks/Reels.

Já do outro lado, o roteiro acrescenta dramaticidade na história ao forçar a Capitã Marvel a confrontar suas escolhas do passado, seja o constrangimento de nunca ter retornado à Terra e mantido contato com Monica, seja a vergonha de destruir a Inteligência Suprema dos Kree, provocando consequências devastadoras para o planeta Hala. Acontece que toda a carga dramática que esse arco deveria conter é pouquíssimo desenvolvida, muito por conta dessa celeridade excessiva sentida em toda a produção. Dar-Benn parece existir apenas como um mecanismo para mover as protagonistas, algo que por si só não prejudica o filme, mas tampouco contribui para elevá-lo. Fatos relevantes como a motivação da escolha dos planetas atacados pela vilã (são lugares importantes para Carol Danvers) precisam ser ditos pelos personagens — e quando o mandamento “mostre, não fale” é deixado de lado, não pode ser um bom sinal.

A impressão final de “As Marvels” é de um filme de heróis à moda antiga (se for possível chamar a Fase 1 do MCU de antigo), cujo objetivo é ser um entretenimento descompromissado, porém esquecível. À exceção de uma luta aqui, uma sequência com os flerkens acolá, nada é de fato marcante — e o ritmo e edição apressados contribuem ainda mais para isso. Além de tudo fica a sensação de oportunidade desperdiçada, pois haviam várias chances da produção se destacar, como na direção com Nia DaCosta (“A Lenda de Candyman”). No fim, o longa não deve ser lembrado entre os piores do MCU, e certamente não será lembrado entre os melhores. Pensando bem, talvez sequer seja lembrado.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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