Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de julho de 2023

Oppenheimer (2023): um Christopher Nolan denso e difícil, mas eficiente

Cineasta testa os limites de si próprio e do público em um filme denso, longo e lento, mas que não tem um único segundo dispensável.

Quando falamos de Christopher Nolan, logo vêm à mente a complexidade na trama de seus filmes. Apesar de sua suposta arrogância, o cineasta gosta de se desafiar trabalhando em ideias que, por mais complicadas que pareçam (vide o roteiro de “Amnésia”), acabam entretendo multidões e as fazendo deleitar-se em sua própria confusão. Já “Oppenheimer” é o oposto, baseando-se em uma simplicidade narrativa incomum para seus padrões.

É justamente essa facilidade que pede a história de J. Robert Oppenheimer, vivido por Cillian Murphy em uma performance assombrosa. O físico, uma das figuras mais polêmicas e contraditórias do século XX, foi de um jovem com carreira promissora no campo da física quântica a “pai da bomba atômica”. Motivado por uma mistura de vaidade e medo de ver seu campo de estudos subvertido e transformado em arma pelos nazistas, ele se torna o diretor do programa norte-americano para o desenvolvimento das bombas nucleares. No meio do caminho, entretanto, a Alemanha se rende, deixando como derradeiro alvo do projeto o Japão, único país do Eixo que ainda resistia.

Só que “Oppenheimer” não é um drama histórico e nem mesmo um filme sobre as bombas atômicas em si, mas um estudo de personagem. Isso pode pegar de surpresa os fãs mais árduos do diretor, acostumados com sequências de ação bem executadas e com histórias complexas. Dessa vez, Nolan abre mão de tudo isso em favor de extensas cenas de diálogos que exploram da moralidade questionável de Oppenheimer em sua vida pessoal às implicações políticas do desenvolvimento das bombas. Sendo assim, a obra toda é como um experimento de Nolan, uma tentativa de fazer algo totalmente fora de seu habitual.

Esse experimento é bem sucedido em diversas frentes, a mais óbvia sendo a atuação de Cillian Murphy. Parceiro de longa data de Nolan, ele finalmente tem a chance de brilhar como protagonista após anos como coadjuvante. Seu Oppenheimer é uma mente perturbada desde os anos de faculdade, algo que o ator consegue transmitir com meros olhares. O trabalho de maquiagem sutil certamente ajuda, mas a forma com que o personagem muda de porte e expressão é notória apenas pela performance de Murphy. Ele é acompanhado por um elenco coadjuvante igualmente poderoso, da explosiva Emily Blunt no papel de sua esposa, Kitty, a Robert Downey Jr. como seu colega no governo, Lewis Strauss.

Apesar de abdicar da ação, “Oppenheimer” impressiona também pela primazia técnica, principalmente em relação à edição e mixagem de som. Do teste do Projeto Trinity às visões do protagonista acerca de seus atos, é por meio do som que Nolan cria uma sensação de completa imersão quando trata da bomba em si. Os visuais são poucos, mas sem que isso crie um sentimento de perda – afinal, só vê uma bomba atômica explodir quem tem proteção para isso; do contrário, apenas se sente (até não sentir mais). Portanto, é graças ao som que temos a certeza de estar lidando com forças muito mais poderosas do que qualquer homem deveria ser capaz de usar.

A grandiosidade destas cenas, no entanto, pode contrastar com as sequências de julgamento e sabatina no âmbito do governo. É nestes momentos que “Oppenheimer” ganha contornos de thriller político, beirando até mesmo o drama de tribunal, dependendo muito da habilidade de Murphy, Blunt e Downey Jr. enquanto artistas para se sustentar, ainda que o texto possa parecer um pouco arrastado.

“Oppenheimer” claramente não foi feito com a intenção de ser um blockbuster. Pelo contrário, trata-se de um tipo de filme que quase não se vê mais lançado em circuito comercial: longo, denso e difícil de engolir, sem a menor preocupação em entreter, mas que aborda questões sérias de forma madura e objetiva. O resultado é um desafio de Christopher Nolan a si mesmo e a seu público, mas um estudo irretocável sobre nosso poder autodestrutivo.

Julio Bardini
@juliob09

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