Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 15 de setembro de 2022

Órfã 2: A Origem (2022): prequel tardia e mal concebida

Embora mais bem-intencionada que o primeiro longa, sequência de "A Órfã" abusa da suspensão de descrença para compor uma atmosfera de suspense estapafúrdia.

É bem verdade que certos fenômenos são quase impossíveis de prever. Fato que, apesar da recepção morna da crítica e de uma enxurrada de reclamações de pais e associações adotivas, o filme A Órfã, de Jaume Collet-Serra, lançado em 2009, foi, ao longo do tempo, alçado ao status de cult essencialmente graças ao boca a boca gerado pelo seu surpreendente plot twist. Logo, era de se imaginar que cedo ou tarde a obra ganharia um novo capítulo. Assim, treze anos após o seu lançamento, estreia a prequel “Órfã 2: A Origem”, dirigida por William Brent Bell.

Na trama, Leena Klammer (Isabelle Fuhrman), uma criminosa de trinta e um anos que sofre de hipopituitarismo, um raro distúrbio hormonal que afeta o crescimento, foge de uma clínica psiquiatra na Estônia e viaja para os Estados Unidos assumindo a identidade da filha de nove anos desaparecida de uma família rica. No entanto, a nova vida de Leena como Esther é posta em risco quando pouco a pouco descobre que, assim como ela, a matriarca, Tricia Albright (Julia Stiles), esconde um segredo.

Reprisando seu papel icônico, Fuhrman, hoje com vinte e cinco anos, teve que dar vida a uma versão mais jovem da personagem que interpretou originalmente aos doze anos de idade, algo que visualmente gera estranheza apesar dos esforços da direção e da produção para tornar tal proposta minimamente verossímil. Entre os artifícios utilizados, destacam-se os ângulos de câmera com perspectiva forçada, os dublês de corpo infantil para tomadas à distância e de costas, os sapatos plataforma calçados pelos atores coadjuvantes e os cenários criados para parecerem maiores. Contudo, a obra tem um aspecto tão artificial e brega que às vezes beira o cômico, embora na maior parte do tempo pareça se levar muito mais a sério do que deveria.

Ainda sobre a atriz, Isabelle Fuhrman aparenta estar constantemente curvando os ombros enquanto tenta a todo custo repetir os maneirismos de sua vilã no original. Apesar disso, a intérprete de Esther consegue encarnar um alto nível de sadismo encoberto sob uma aparência inofensiva. Porém, o roteiro de David Coggeshall (da série “Lore”) parece ignorar os atributos mais notáveis da antagonista: a eloquência e a capacidade de manipulação. Em vez disso, o roteirista dedica esforços para atribuir nuances que ampliem a perspectiva do público sobre as ações e motivações da personagem, consequentemente, preparando território para uma nova reviravolta.

Se no primeiro filme havia um forte teor de paranoia xenófoba, “Órfã 2: A Origem” inverte completamente essa lógica a favor de uma narrativa muito mais imprevisível, embora, paradoxalmente, já saibamos o seu desfecho por se tratar de uma prequel de uma história de mais de uma década. Infelizmente, por mais bem-intencionado, o enredo carece de profundidade e desenvolvimento de personagens, principalmente o núcleo da família Albright, cujas ações frequentemente soam tolas e injustificáveis. 

Quase tão estúpida quanto sua família de faz de conta, Leena, que agora adotou o nome Esther, não é nem de longe a mesma manipuladora que consegue facilmente colocar uns contra os outros, e isso é extremamente frustrante, ainda mais quando vislumbramos o enorme potencial desperdiçado. Não que seja má ideia explorar novas facetas de uma adulta presa no corpo de uma criança, muito pelo contrário, mas ao fazê-lo de forma tão moralista, perde-se parte do que torna a personagem tão única. Afinal, em uma sociedade que vive de aparências, Esther, que sempre é subestimada, sabe melhor do que ninguém manipular as pessoas através de suas falsas percepções, explorando tanto seus medos quanto seus desejos mais íntimos. Portanto, acaba soando hipócrita colocá-la no papel de agente moralizadora, já que ela mesma tem consciência e se aproveita do fato de que o próprio mundo é amoral.

Por fim, “Órfã 2: A Origem” não chega a ser um desastre, mas tal conclusão não redime a obra de seus inúmeros furos de roteiro que exigem do espectador uma gigantesca suspensão de descrença para relevar tamanhos absurdos da trama. Honestamente, é difícil prever se os fãs do original aceitarão de bom grado esta prequel tardia. Todavia, com um intervalo de mais de uma década entre os filmes, é bastante plausível que o tempero nostálgico torne a experiência mais palatável. Para quem nunca teve contato com a franquia, vale a pena como um estudo de personagem mal conduzido, mas com enorme potencial, quem sabe para o futuro.

Alan Fernandes
@alanfdes

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