Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 20 de junho de 2022

The Umbrella Academy (Netflix, 3ª temporada): ao tentar ser algo diferente, mudou para pior

Nova temporada deixa de explorar a família Hargreeves para focar em uma trama mal desenvolvida e pouco interessante. Assim, a promessa de finalmente fazer justiça a Ben cai por terra, e o que sobra são apenas destroços.

Apesar de ter sido extremamente popular em sua estreia em 2019, conseguindo inclusive ultrapassar “Stranger Things” em número de visualizações à época, “The Umbrella Academy” nunca conquistou a mesma atenção duradoura do público ou a unanimidade entre os críticos. Ainda assim, existe um motivo para que a série tenha um lugar tão precioso nos corações dos fãs: a disfuncional família Hargreeves e seu contínuo fracasso em lidar com traumas. Por debaixo de poderes discretos ou espalhafatosos, existem pessoas atormentadas pelo passado, presente e futuro, e, incapazes de resolverem seus próprios problemas sozinhos, eles se juntam para salvar o mundo. Duas vezes. Ambas causadas por eles mesmos, seus piores vilões. Esse é o charme da Umbrella Academy, e com um coração aberto e prontos para mais um apocalipse, estaríamos mais que dispostos a ver o padrão se repetir. Por que, então, esta terceira temporada falha tão catastroficamente?

Quase dois anos depois, a série retorna continuando a partir do cliffhanger deixado pela segunda temporada. Ao conseguirem impedir o segundo apocalipse em 1963, a Umbrella Academy retorna para o presente com esperança de que a linha do tempo tenha sido consertada. Porém, devido à desastrosa interferência de todos no passado, eles voltam a um presente irreconhecível, com sua antiga casa agora sendo o lar da Sparrow Academy, uma versão atualizada da equipe de heróis. Ao ser abordado por seus filhos no passado, Reginald Hargreeves (Colm Feore) viu que fizera uma escolha terrível de adoção, e decide seguir por um rumo totalmente diferente quando os bebês mágicos de 1989 nascem. Ele escolhe seis outras crianças, e apenas Ben (Justin H. Min) permanece na equipe, mas um Ben bastante diferente do que conhecíamos — não mais o número 6, mas agora um número 2 com complexo de número 1. Não bastasse isso, o mundo agora enfrenta sua terceira ameaça de aniquilação, e os antigos e novos Hargreeves têm de encontrar uma forma de trabalharem juntos para impedir o fim da existência.

Bom, por onde começar? Talvez pelo desastre que é o primeiro episódio, tão longe da essência da série a ponto de estar irreconhecível, e por isso, até faz parecer que a trama está tentando confundir não só os protagonistas, mas também o público. Não fosse só a história desconexa, o próprio nível de produção caiu significativamente, com um CGI vergonhoso, e erros óbvios de continuidade, algo que não fica só no início, mas se escancara ao longo dos capítulos seguintes. O que parece é que a quarta temporada de “Stranger Things” sugou todo o dinheiro das séries de fantasia da Netflix, e “Umbrella Academy” não conseguiu lidar com isso de forma criativa. E aproveitando a menção à série dos irmãos Duffer, não é um mistério o porquê do streaming ter decidido jogar a nova temporada de “Umbrella” logo uma semana antes do volume 2 do fenômeno da Netflix ser lançado, como um prenúncio da tragédia que teria de ser escondida por um conteúdo explosivo.

Não há outra palavra para esta temporada a não ser desastre. Mesmo se ignorarmos o plot requentado e o baixo nível de produção — o que já seria pedir demais —, aquilo que sempre foi o coração da série é destruído pouco a pouco, sem pena alguma, parecendo até proposital. A família Hargreeves, aquela que conhecemos e amamos, se transforma em um grupo de pessoas aleatórias, sem charme, sem propósito, andando de um lado para o outro, sempre buscando por um plano, e sempre falhando em concebê-lo. Luther (Tom Hopper) agora é bonzinho, e Allison (Emmy Raver-Lampman) por sua vez, má; Diego (David Castañeda) é uma máquina de piadinhas, e sua dinâmica com Lila (Ritu Arya) serve apenas para irritar; Aidan Gallagher, ou melhor, Five (é difícil discernir onde termina um e começa outro) segue no automático do velho preso num corpo de um adolescente, e o único com a sabedoria sobre os mistérios do Tempo; Klaus conta com a perseverança de Robert Sheehan de não deixar seu personagem desvanecer, e ainda consegue destaque mesmo que muito tarde na temporada, mas acaba sendo derrotado pela falta de vontade do roteiro de conceder qualquer desenvolvimento para seus protagonistas. No entanto, é um alívio ver que a série respeita a transição de Elliot Page sem nenhum dispositivo de enredo como justificativa. Viktor Hargreeves sempre foi Viktor, ele só precisava entender e aceitar isso, e a forma como essa revelação acontece para seus irmãos é sutil e graciosa.

A Sparrow Academy é completamente esquecível, e a própria trama os trata como tal. Supérfluos e apenas mais uma pedra no caminho da Umbrella, os atores até tentam trazer algum brilho para as cenas, mas o único brilho que conseguem é o da luz de CGI do incessante uso de poderes sem propósito algum. Eis então que chegamos nele: o novo Ben Hargreeves. Depois que a versão anterior do personagem realmente se foi na segunda temporada, nos foi prometido esse outro Ben, mais perverso, cruel, ou apenas, babaca. Proposta interessante, e ainda mais animadora era a ideia de vê-lo… vivo. A temporada, então, começa da mesma forma que o início da série, voltando a 1° de outubro de 1989, desta vez não na Rússia, e sim na Coreia do Sul. Testemunhamos o nascimento de Ben da mesma forma que vimos o de Viktor na primeira temporada, e uma conclusão rápida nos diria que ele seria o protagonista desta vez. Quem dera, né?

A única coisa que o personagem faz é reclamar continuamente sobre tudo e todos, com uma atitude que começa de certo modo atraente, mas que se torna irritante com o tempo, pois não há uso algum na trama para ele. Todos o rejeitam, inclusive sua própria família, e algo que supostamente poderia ser um fio narrativo para explorá-lo, só é uma ponta solta entre tantas outras. Afinal, o que é o “incidente Jennifer”, nunca antes mencionado e que agora faz parte da morte do Ben original? Por que não explorar seus poderes, que foram taxados como um grande fardo para ele na linha do tempo anterior? Como é possível que ele e Klaus venham a interagir apenas nos últimos episódios da temporada, sendo que a relação dos dois sempre foi intrínseca para ambos? Em suma, como desperdiçaram o potencial óbvio de colocá-lo como protagonista, obrigando a Umbrella a confrontar a origem de seu primeiro fracasso, e assim, quem sabe, prometer uma resolução final de seus traumas? Em certo ponto é inevitável se perguntar o porquê de terem trazido Ben de volta, e isso é triste.

Para quem não gostou da primeira temporada, e ainda assim se aventurou pela segunda, é difícil imaginar por que chegariam até aqui. Afinal, a estreia da série se provou como seu ponto mais alto, em uma história focada e genuína, e seu segundo ano — apesar de bem elogiado — seguiu em frente com várias turbulências. Assistir ao primeiro episódio da terceira temporada é o suficiente para julgar se vale a pena continuar. Até mesmo para fãs, é difícil seguir em frente quando, cinco episódios depois, as coisas só parecem estar piorando.

A sensação que dá é que a equipe envolvida parou de confiar em seu próprio potencial, concluindo que para atrair mais sucesso, precisaria ser mais como produções que estão bombando. O maior exemplo delas é “The Boys”. A série, que estreou alguns meses depois de “Umbrella Academy” em 2019, é conhecida por sua violência gráfica, e elogiada por isso. Ambas as obras são constantemente comparadas, menos por serem similares em conteúdo, e mais por terem um grupo de superpessoas e por lançarem novas temporadas ao redor da mesma época. É então um mistério a razão de tentarem emular tal violência em “Umbrella”, que surge como um choque, e sem nenhum motivo real a não ser este mesmo.

Se não for a tentativa de atrair um público maior, o erro grotesco que é esta terceira temporada é a admissão de desistência por parte do showrunner Steve Blackman e sua sala de roteiristas, incapazes de seguir a essência introduzida no começo da série, ou mesmo a base da graphic novel de origem. O trabalho de Gerard Way e Gabriel Bá sempre foi mais uma referência do que de fato o material adaptado, mas antes “Umbrella Academy” tivesse decidido trilhar o caminho mais esquisito e melancólico desses quadrinhos, do que se tornar apenas uma imitação barata de outras séries de sucesso do momento. A temporada termina deixando mais um cliffhanger, ainda que discreto, indicando que pode continuar. Mas talvez seja a hora de deixar os Hargreeves viverem em paz, livres para que os fãs deem seus próprios finais felizes para aqueles que sempre amaram.

Louise Alves
@louisemtm

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