Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de março de 2022

O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface (Netflix, 2022): só pelo prazer do sangue

Filme promove um show de violência satisfatório, mas a narrativa pede mais do que isso e, sem apresentar a mesma inventividade de outras franquias que retornaram recentemente, surge irrelevante.

Embora não haja um consenso sobre qual filme inaugurou o subgênero slasher (uns dizem ser “Psicose“, enquanto outros afirmam ser “Halloween”), “O Massacre da Serra Elétrica“, de 1974, está sempre no meio dessa discussão. A história do serial killer e sua família de canibais conquistou uma legião de fãs, virou clássico cult e, não à toa, é considerado um dos longas mais influentes do século XX. E, assim como todo sucesso, foi empilhando sequências, remakes e prelúdios, a maioria deles esquecíveis. Agora, quase 50 anos depois da estreia do original e pegando carona na esteira dos novos e bem-sucedidos capítulos de “Halloween” e “Pânico“, a Netflix ressuscita a franquia com “O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface“, uma obra cujo desejo de ver sangue se sobrepõe ao de contar uma boa história.

Pensado para ser uma sequência direta do clássico de Tobe Hooper, “O Retorno de Leatherface” quer dar novo fôlego à série e mostrá-la a uma nova geração. Escrito pelo estreante Chris Thomas Devlin, o roteiro nos apresenta a um grupo de jovens que enxerga na pequena e, aparentemente, abandonada cidade de Harlow, no interior do Texas, uma oportunidade para satisfazerem seus egos idealistas. Os amigos querem dar vida ao vilarejo em pedaços e, para isso, promovem um leilão das casas e estabelecimentos da região. Porém, em uma dessas casas, onde funcionava um antigo orfanato, mora o procurado serial killer Leatherface (vivido aqui com imponência por Mark Burnham). E quando este tem o seu sossego abalado pela chegada dos novos habitantes — o que também acaba provocando a morte de sua mãe —, dá início a uma matança desenfreada até não sobrar ninguém.

O que esperar de um filme cujo assassino é o brutal Leatherface? Mutilação, tripas, sangue e, claro, diferentes maneiras de matar uma pessoa. Olhando por esse ângulo, a narrativa — já que estamos falando de um ser de origem canibal — alimenta muito bem o seu espectador. A direção de David Blue Garcia (“Tejano”) está longe de oferecer um espetáculo visual ou qualquer inventividade, mas entende que a serra elétrica e outras ferramentas precisam trabalhar e, com elas, registra a barbárie do vilão com a firmeza e crueldade necessárias para impactar. No entanto, mais do que entregar os elementos do slasher ou gore, é preciso construir uma narrativa interessante, de maneira que história e estilo caminhem juntos, o que não acontece aqui. A tentativa de resgatar a franquia, usando o chamariz da “sequência direta”, não se importa com os personagens, suas motivações e seus destinos.

A sinopse de Fede Alvarez (“O Homem nas Trevas“) é desenvolvida por Devlin com a mesma criatividade e fluência de uma criança de dez anos — e, certamente, as historietas da garotada apresentariam mais personalidade. Com aproximadamente 1h23 de duração, o longa se mostra incapaz de criar uma trama convincente, ao mesmo tempo em que reforça que agilidade não é sinônimo de qualidade. A ideia de comprar uma cidade decadente e transformá-la em ponto turístico é pobre, e fica pior quando descobrimos que apenas três pessoas moram lá, sendo uma delas um assassino perigoso, forçado a sair da “aposentadoria” após ser incomodado. Além disso, os jovens da vez são figuras feitas sob medida para morrer. Arrogantes e estúpidos, estão sempre dispostos a fazer escolhas erradas — a narrativa ainda desperdiça tempo com um drama ineficiente sobre o passado de uma das personagens.

Para piorar, o casting consegue tornar a experiência ainda mais dolorida. Atores inexpressivos e sem carisma tentam chamar a atenção do público, mas é difícil se importar com o destino deles e, por conta disso, as mortes se convertem em perdas irrelevantes. Nesse caso, não é estranho se pegar torcendo para o vilão. A fim de estabelecer uma conexão factível com o clássico de 1974, esta atabalhoada sequência promove o retorno de Sally Hardesty (vivida pela atriz Olwen Fouéré, já que Marilyn Burns, a intérprete original, morreu em 2014), única sobrevivente do primeiro ataque. A narrativa tenta fazer de Sally uma nova Laurie Strode, um tipo de senhora badass. Só que os bastidores já mencionados, a falta de intimidade com o universo e a atuação pálida apenas reforçam o equívoco de sua escalação, que aparece poucas vezes e não mostra a que veio.

Para não dizer que não há humor no filme, a insistência dos personagens em permanecerem vivos é ao mesmo tempo cômica e irritante. Seja após serem dilacerados, mutilados ou esfaqueados, eles sempre encontram forças para um último suspiro, finalizando com um ato heroico. “O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno de Leatherface” faz questão de deixar claro que existe pura e simplesmente pelo desejo de ver sangue e fraturas expostas, sem nenhum compromisso com uma boa história.

Renato Caliman
@renato_caliman

Compartilhe