Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 24 de dezembro de 2021

Gavião Arqueiro (Disney Plus, 2021): agradável, mas esquecível aventura de Natal

Com seis episódios, série da Marvel tem erros e acertos que se equilibram e entregam uma história pouco memorável com personagens cativantes, e a promessa de um futuro brilhante liderado por Hailee Steinfeld.

Cinco séries e quatro filmes depois, eis que chegamos ao fim do domínio Marvel Studios em 2021. Pela primeira vez, a narrativa oficial do Universo Cinematográfico da empresa foi dividida entre cinemas e televisão, e os altos e baixos foram mais impactantes do que de costume. Com a pandemia, ter a chance de assistir a um filme nas telonas era sempre mais significativo do que em tempos antigos. E as séries, as novidades da vez, foram pela maior parte do tempo envoltas em hipérboles — a cada nova estreia, eis que surgia a melhor (ou pior) coisa que a Marvel já havia feito. Com “Gavião Arqueiro“, houve um senso comum. A obra agrada, mas não impressiona; diverte, mas não impacta; e ganha no mesmo ritmo que perde.

É difícil até lembrar, mesmo apenas um dia depois da exibição de seu último episódio, os momentos marcantes dos seis capítulos da temporada. Seus trunfos são quase unicamente os personagens, então comecemos por eles. Mesmo que o objetivo principal seja apresentar uma jovem heroína para a fase futura do MCU, o ponto de partida da série é o Gavião Arqueiro do título. Clint Barton (Jeremy Renner), introduzido no longínquo “Thor” como um agente da SHIELD, e que depois seria visto mais como um parceiro de Natasha Romanoff, sempre foi um coadjuvante, uma função que lhe cai bem. Até mesmo quando se tentou dar a ele uma visibilidade maior, com a família surpresa em “Vingadores: Era de Ultron” e seu papel em “Vingadores: Ultimato”, sua presença servia mais para impulsionar o desenvolvimento de outros. Ele faz o discurso que motiva Wanda a lutar ao lado dos Vingadores no segundo filme do grupo — e iria também estar do lado dela em “Capitão América: Guerra Civil”. E ele está no doloroso momento do sacrifício de Natasha, que trouxe a exaustiva discussão sobre quem de fato merecia morrer.

É curioso como “Gavião Arqueiro” está continuamente referenciando a morte da Vingadora por um ponto de vista do público. Clint está sempre se culpando por ter sobrevivido, mesmo não se achando merecedor, e alguns dos momentos em que isso acontece, parece estar falando diretamente para aqueles que preferiam que tivesse sido ele a morrer, não Natasha. É como dizer que sim, ele sabe que nunca foi tão querido quanto ela, e na verdade, nem se considera um herói. Mas, como diz ao tentar explicar o que aconteceu em Vormir, ninguém conseguiria impedir Natasha de se sacrificar, então o melhor que podemos fazer é superar e seguir em frente. Pois o futuro é promissor, e seu nome é Kate Bishop.

A Marvel passou um bom tempo negociando para garantir que seria Hailee Steinfeld a atriz a interpretar a mais nova heroína do MCU, e a luta valeu a pena. Indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante em 2011 por seu papel em “Bravura Indômita”, a jovem viria a chamar atenção também em “Quase 18”, e conquistaria o coração de todos em “Bumblebee”. Atualmente, ela deslumbra em “Dickinson”, e só quem não gosta de Hailee Steinfeld é quem não a conhece. Trazê-la como ponto principal da série cujo título vem de um personagem pouco chamativo não só é inteligente, como acaba sendo a única coisa que impede a produção de afundar.

Kate Bishop era uma criança quando o ataque alienígena a Nova York em 2012 aconteceu, e quando ela estava prestes a ser atingida, o Gavião Arqueiro salvou o dia. Então, ela toma interesse por arco e flecha, além de qualquer outra atividade que poderia torná-la capaz de proteger a mãe, depois que seu pai faleceu naquele mesmo dia. Dez anos depois, ao se meter em todo tipo de encrenca, seu caminho cruza com o de Clint, e ela finalmente conhece seu herói. De início, fica muito claro o quanto as coisas só acontecem para que eles sejam obrigados a trabalhar juntos, mas com o tempo isso pouco importa. Kate, através do carisma irresistível de Steinfeld, consegue comprar qualquer um, até mesmo membros da gangue mais estúpida de Nova York, ou uma assassina profissional.

Os caminhos do antigo e da nova Hawkeye se cruzam por conta da trama do Ronin, apresentada em “Vingadores: Ultimato”, que supostamente requereria fortes consequências, ou discussões mais pesadas do que aquelas possibilitadas por uma série leve de Natal. Sim, Clint matou várias pessoas nos cinco anos em que a sua família e as de bilhões de pessoas haviam desaparecido, mas eram todos bandidos, então não tem problema, né? Pois é, como discutir sobre algo tão difícil em uma obra que traz a Gangue do Agasalho e LARPers para a jogada?

Discussões como essas eram possíveis, e foram bem desenvolvidas, nas finadas séries da Marvel/Netflix, como “Demolidor” e “Justiceiro”. Mérito sobre qualidade à parte, em produções com censura +18 como são, a trama do Ronin encaixaria como uma luva, e diversos momentos de “Gavião Arqueiro” nos fazem lembrar como, canônicas ou não, aquelas séries tinham muitas coisas boas a oferecer. Lembramos disso principalmente ao nos depararmos com cenas de lutas horrendas nesta produção do Disney Plus, algo inacreditável de se ver pouco tempo depois de “Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis” ter sido lançado. É certo que filmes e séries geralmente contam com orçamentos diferentes, mas para uma obra que dispõe de diversos personagens que sabem lutar, como é possível que isso nunca seja refletido em tela?

A obra erra principalmente com Maya Lopez, conhecida nos quadrinhos como Eco, e que terá uma série própria futuramente. Talvez até por isso, a produção de agora tenha decidido não investir propriamente nela, o que se provou um grande erro. Maya é surda, e ao ser introduzida, vemos como ela lida para que isso não se torne uma limitação, como lhe ensina seu pai. Ela também tem uma prótese em uma das pernas, elemento que veio da própria atriz Alaqua Cox (que também é surda), e que contribui para que ela sempre se motive a ser melhor que os outros. Tais elementos são introduzidos muito bem, e depois jogados fora, de modo que a personagem serve apenas de ligação com quem aparentemente era o grande vilão da série.

“Gavião Arqueiro” sofre ao não estabelecer seu antagonista de forma clara, deixando certas coisas óbvias demais logo no início, mas falhando em desenvolver um ponto central para a narrativa. Em seu meio, a série tem êxito não porque a história está clara, mas porque Kate e Clint de fato funcionam muito bem juntos. Assim, as participações de Vera Farmiga e Tony Dalton são pouco interessantes, e os personagens que aparecem nos capítulos finais já haviam conquistado nosso coração, de uma forma ou outra, precisando de pouco esforço para que aceitemos seus papéis na trama.

A direção de “Gavião Arqueiro” foi dividida entre a dupla Bert & Bertie e Rhys Thomas, e o trabalho aqui é claramente o mais fraco entre todas as séries Marvel Studios. Todos são incapazes de filmar ação, em uma obra que já não conta com boas coreografias de luta, e cuja montagem piora ainda mais. A dupla, responsável pelo terceiro, quarto e quinto episódios, consegue um saldo mais positivo do que Thomas, que inicia e finaliza a série escancarando os defeitos que ela tem.

Entre altos e baixos, a série se equilibra, e se mantém estável ao chegar ao seu fim. Não começa prometendo grandes acontecimentos, e assim, não precisa terminar cumprindo tais promessas. Desde sempre, seu maior objetivo seria apresentar Kate Bishop, e isso fez muito bem. Além das qualidades já mencionadas da atriz e personagem, é interessante que Kate já tenha passado por anos de treinamento em suas habilidades, não tendo que provar ou desenvolver sua maestria em tela. Ela precisa apenas aprender o que significa ser uma heroína, e é até poético que essa lição venha daquele que não se vê como tal, mas que de fato agiu como herói por grande parte de sua vida. Poderíamos ter discussões melhores sobre isso? Claro, mas por vezes o melhor é se contentar com o simples, e agradecer que agora Hailee Steinfeld seguirá em nossas vidas por muitos anos a frente.

Louise Alves
@louisemtm

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