Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Ghostbusters – Mais Além (2021): passando as mochilas protônicas para uma nova geração

Sacrifício humano, cães e gatos vivendo juntos, histeria coletiva... Sinais de que a velha sirene do Ecto-1 vai voltar a tocar! Com este filme, Jason Reitman assume o comando da franquia inicialmente dirigida por seu pai, buscando reestabelecer o material não só para os saudosistas, mas para diversas gerações de cinéfilos.

Dirigido por Ivan Reitman, o “Os Caça-Fantasmas” de 1984 mostrava um grupo de novaiorquinos lidando com fantasmas como se fossem exterminadores lidando com pragas domésticas, trazendo um humor ácido e uma pitada de sustos ao lado de um elenco carismático, vindo de humorísticos anárquicos como o “Saturday Night Live” e “Second City”.

Vieram então “Os Caça-Fantasmas 2“, séries animadas, HQs e até mesmo por um game com as vozes e aparência dos atores originais. O que não veio foi um terceiro filme, pelos mais diversos motivos, dentre eles a morte do ator e roteirista Harold Ramis em 2014. Em 2016, a franquia voltou aos cinemas com “Caça-Fantasmas”, um reboot com um elenco central feminino – também vindo do “SNL” – que apanhou feio nas bilheterias, e foi muito criticado por ignorar os filmes anteriores e, mesmo contando com pontas de quase todos os atores do original, nenhum deles reprisou seus antigos personagens. Parecia que a franquia estava morta na telona.

Mas se essa série ensinou uma coisa é que quem é morto sempre aparece. Esse “Ghostbusters – Mais Além” foi anunciado de sopetão e chega agora às salas de cinema. O que temos aqui é um projeto de legado. Jason Reitman, filho do cineasta que comandou os dois primeiros filmes, assume a direção e escreveu o roteiro ao lado de Gil Kenan (do maravilhoso “A Casa Monstro”) e tratou de sondar o que estava no zeitgeist para fazer com que a produção ressoasse com o público atual, especialmente com os jovens. Ironicamente, uma série que foi influenciada pela franquia, “Stranger Things”, surge como a maior influência desse novo longa, que se passa no mesmo universo que seus antecessores oitentistas, para alívio dos nostálgicos.

Na trama, acompanhamos os irmãos Phoebe (Mckenna Grace) e Trevor (Finn Wolfhard) que se mudam com sua mãe, Callie (Carrie Coon), para uma pacata e monótona cidade do interior, esperando que a herança de um parente recém-falecido lhes tire da falência. Lá, se deparam com uma série de acontecimentos sobrenaturais que os ligará aos heróis de outrora e ao legado secreto de sua família.

Reitman resolveu trazer uma história que começa bem afastada da franquia – inclusive geograficamente, abandonando pela primeira vez a agitada Nova York em favor de uma cidadezinha no meio do nada – para, aos poucos, ganhar contornos mais familiares e surtados, o que se mostrou o melhor meio para que a produção alcance sua ambição de trazer uma nova geração de cinéfilos dispostos a acreditar, enquanto resgata os fãs dos originais, fazendo com que o público, aos poucos e de maneira orgânica, perceba as ligações entre os filmes, sem forçar (na maioria das vezes) o fan service.

Outra decisão acertada foi fazer de Phoebe a protagonista da trama, com os demais personagens orbitando ao redor dela. A jovem Mckenna Grace, que já vinha despontando em participações pequenas em outras grandes produções de cinema e TV, aproveita bem a chance e encara a responsabilidade com a segurança de uma veterana.

Sua Phoebe é, ao mesmo tempo, doce, curiosa, genial e deslocada, claramente buscando seu lugar no mundo em meio a uma família com a qual ela não consegue se identificar totalmente. É tocante ver sua contida alegria em encontrar pessoas com quem possa conversar, como o sempre animado Podcast (Logan Kim) e o não muito interessado em ensinar Grooberson (Paul Rudd), este último um fã do grupo original de caçadores e que já suspeita de que tem algo estranho na vizinhança.

Os demais personagens são quase arquétipos de outros filmes de Reitman que, aos poucos, são jogados no meio da trama sobrenatural e não deixa de ser significante notar que, quanto mais próximos desses elementos extranormais eles ficam, também se tornam mais próximos de entender Phoebe. O Trevor de Finn Wolfhard é um jovem mais comum, que busca apenas se entrosar com uma nova turma e conquistar a atrevida Lucky (Celeste O’Connor) e a mãe dos meninos, Callie, é vivida com uma dose certeira de cinismo e imaturidade pela sempre interessante Carrie Coon, e certamente se daria muito bem com a personagem de Charlize Theron em “Jovens Adultos”.

Uma sacada inteligente do longa em seu design de produção é respeitar o visual dos filmes originais no tocante às armas e apetrechos usados pelos heróis, bem como nos fantasmas e monstros que surgem durante a projeção. Quando muito, algumas modificações vistas poderiam muito bem ter saído da longeva série animada de 1986, em especial o assento do atirador no icônico carro Ecto-1.

A presença de efeitos práticos também ajuda a estabelecer o clima de saudosismo para os mais velhos e nostálgicos, sem jamais alienar o público mais jovem, pois é justamente através dos olhares dos novos personagens que (re)descobrimos esses elementos. Mesmo cenários como a fazenda onde Phoebe mora com sua família ou a mina abandonada onde parte da ação se passa, possuem um quê referencial do gênero do terror, que os torna atemporais.

Tomando algumas decisões bem corajosas quanto à utilização de certos elementos clássicos da série, inclusive sem medo de alfinetar o original em alguns pontos, “Ghostbusters – Mais Além” é, acima de tudo, um filme divertido e que, como um plus, cumpre sua função de reestabelecer a franquia para novatos e iniciados, de forma muito mais eficiente que o longa de 2016.

P.s.: O filme possui duas cenas pós-créditos.

Thiago Siqueira
@thiago_SDF

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