Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 22 de novembro de 2021

8 Presidentes 1 Juramento (2020): arquivos da História

Documentário de Carla Camurati reúne imagens de arquivo para contar a jornada democrática brasileira desde a Constituição de 1988 e o compromisso de cada Presidente de obediência à Carta Magna.

Carla Camurati, diretora reconhecida por comandar a retomada do cinema brasileiro nos anos 90 com “Carlota Joaquina – Princesa do Brazil” (1995), volta às grandes telas com um documentário composto por imagens de arquivo que recontam a história política do país desde a Constituição de 1988. Embora talvez mais longo do que deveria, com quase 2h30 de duração, “8 Presidentes 1 Juramento” é uma aula de História, sobretudo às novas gerações, sobre o esforço de recuperação democrática do país após 21 anos de Ditadura Militar, bem como uma reflexão sobre a importância do compromisso constitucional firmado por cada Presidente da República.

No preâmbulo, vemos o longo calvário brasileiro de fim da transição “lenta e gradual” da Ditadura à democracia, marcado pela campanha das Diretas Já!, que uniu num mesmo palanque opositores políticos, artistas e personalidades e culminou na eleição indireta do primeiro Presidente civil da Nova República, Tancredo Neves, que morreu antes de assumir o cargo. Nesse ínterim, a posse de José Sarney instaurou a Assembleia Nacional Constituinte, responsável por elaborar e promulgar, em 5 de Outubro de 1988, a sexta Constituição Federal, chamada por seu “pai”, o presidente do Congresso Ulisses Guimarães, de “Constituição cidadã”. Desse período, eternizaram-se às falas de Ulisses na assinatura na Constituição: “Traidor da Constituição é traidor da Pátria. Temos ódio e nojo da Ditadura”. Começa assim a análise didática de Camurati de como cada um dos oito Presidentes brasileiros até hoje agiram diante do juramento solene de respeito à Carta Magna, a partir de seu Artigo 78.

Nesse primeiro ato da novela brasileira, nota-se que a política do país está intimamente ligada a questões emocionais que contagiam a população tal como nossos folhetins melodramáticos ou o futebol. Dessa forma, a comoção gerada pela repentina morte de Tancredo indicava os sinais de mau agouro com que nossa nova República foi, infelizmente, fundada. O primeiro juramento presidencial sob a Carta Magna foi o do Presidente José Sarney, vice de Tancredo que assumiu por seu ocaso e herdou as cisões da Ditadura, bem como uma inflação recorde que ameaçava desestabilizar a nova ordem política.

De Sarney a Fernando Collor, o “caçador de marajás” que se tornou um Presidente inesperado, com fama de playboy e que acabou desastrosamente num impeachment, passando à posse de seu vice, Itamar Franco, sucedido por Fernando Henrique Cardoso, pai do Plano Real que estabilizou o câmbio, até Lula, Dilma, Temer e hoje Jair Bolsonaro, é curioso notar no apanhado de arquivos montados pelo filme a persistência das mesmas figuras entorno do alto escalão da política nacional. Desde a eleição de Tancredo, reconhecemos nomes que estão até hoje na disputa pelo poder, como Aécio Neves, neto de Tancredo que disputaria a acirradíssima campanha que reelegeu a Presidenta Dilma em 2016 e daria início ao seu processo de impeachment ao não aceitar a derrota nas urnas. Até mesmo Lula, candidato quatro vezes antes de ser eleito em 2002, que fora Deputado Federal e sempre esteve sob os holofotes da vida pública brasileira.

Assim, um dos pontos mais pungentes dessa combinação arquivística da história política do país é nos fazer notar suas idiossincrasias e provincianismo, destacando que no Brasil política é coisa de profissional, a chamada “classe política”, como casta elevada, como se permanecêssemos um feudo de elites políticas que se reproduzem num insólito cenário utópico que nem Brasil é, mas Brasília, cenário futurista de um país atrasado. O documentário foca exclusivamente no desenrolar político do país, relevando as promessas não cumpridas, denúncias de corrupção, compras de votos, CPI’s, operações policiais e prisões que permeiam o noticiário político nacional. A pergunta que conclui cada um dos capítulos, organizados a partir do mandato de cada Presidente, é: Como essa história terminou? Pergunta que fica em aberto na última seção, correspondente ao mandato do atual Presidente, pois ninguém sabe ainda qual será o final desse nosso drama atual.

Assim como cada ex-Presidente aparece, nos anos anteriores, galgando seu espaço de destaque numa jornada que culminou em sua eleição, o próprio Jair Bolsonaro também aparece desde há muito nos noticiários jornalísticos de Brasília, embora nosso esquecimento crônico tenha feito com que muitos votassem nele acreditando que era um representante da “nova política”. No documentário, Bolsonaro aparece ainda no governo FHC, quando dá uma declaração polêmica contra a vida do Presidente, acusado à época de seu segundo mandato de comprar parlamentares para a aprovação da emenda de sua reeleição. Bolsonaro surge ainda outras vezes, como figura caricata, quase engraçada, em intervenções no Congresso Nacional, até se elevar como antítese do Lulismo nas eleições de 2018 e tornar-se o 38º Presidente do Brasil.

O documentário de Camurati tem o formato de reportagem jornalística, tanto pela natureza do material que coleciona, quanto pelas escolhas narrativas. Opta por não agregar nenhuma narração em off ou comentários de especialistas, não faz entrevistas com as figuras que participaram dos momentos retratados e se escora unicamente em algumas narrações de fontes jornalísticas. O que há, algumas vezes, são cartelas de legendas que nos indicam informações históricas, como as datas. Nota-se também que alguns Presidentes foram mais queridos da imprensa do que outros, como FHC, adorado pela mídia como um intelectual, e Dilma, desrespeitada desde seu primeiro mandato. Assim, compõe a sua maneira um retrato um tanto quanto depressivo de nossa retomada democrática.

O filme rechaça um jargão histórico brasileiro, atribuído ao intelectual Caio Prado Jr., de que “a cada 15 anos o Brasil esquece de seus 15 anos anteriores”. Agora temos tudo em arquivo, numa boa amarração narrativa que pode até ser passada na escola para alunos secundaristas. Camurati, diretora com talento e tradição para refletir sobre as camadas mais profundas de nossa história política, nos traz assim uma obra que, embora imperfeita, pode ser revisitada sempre que quisermos entender a biografia da nova República brasileira, uma terra que, segundo o compositor Tom Jobim, “não é para principiantes”.

Vinícius Volcof
@volcof

Compartilhe