Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 03 de novembro de 2021

Como Sair de Buffalo (2019): as barreiras éticas para o sonho americano

Comédia dramática com Zoey Deutch é um filme leve, mas com temática complexa e questões necessárias.

Sob a superfície de um ambiente onde o número na conta bancária parece impulsionar virtudes, existe uma crença inconversável de que o dinheiro pode ser conquistado a qualquer custo, inclusive por cima de ponderações éticas. É neste mundo que vivemos você, eu e Peg Dahl, a protagonista da comédia dramática “Como Sair de Buffalo”, que conta a história de uma menina capaz de tudo para realizar o sonho de ser rica.

O filme acompanha esta jovem, filha de uma família cheia de dívidas, que almeja conseguir dinheiro para estudar e deixar sua cidade natal. Inspirada por magnatas do mercado financeiro, como Warren Buffet, ela abandona os próprios princípios e começa a praticar pequenos delitos para atingir seu propósito. Entre indas e vindas à prisão, Peg descobre o mundo obscuro da cobrança de dívidas nos EUA e encontra nele uma vocação.

“Como Sair de Buffalo” sintetiza características típicas e até estereotipadas da cultura norte-americana. A partir da perspectiva de uma garota interiorana que se acha grande demais para a cidade pequena em que vive, somos apresentados a um universo de personagens caricatos introduzidos numa produção que referencia “O Lobo de Wall Street” e outros filmes do gênero.

Ainda que a trama seja um dos destaques, é impossível falar deste filme sem ressaltar seu ponto mais alto: Zoey Deutch. Conhecida como a “patricinha” de “Zumbilândia: Atire Duas Vezes”, pela série “The Politician”, de Ryan Murphy, e por ser filha da atriz Lea Thompson (a mãe de Marty McFly, na trilogia “De Volta Para o Futuro”), a atriz de 26 anos mostrou que tem potencial para se tornar um dos grandes nomes de Hollywood.

O estilo desbocado, cheio de expressões corporais e caras e bocas, combina com sua personagem no longa. Deutch é a força-motriz que convence como uma garota inteligente e cheia de malícia, apesar da aparência inocente. O impacto de sua presença em tela é tão significativo que boa parte dos coadjuvantes é ofuscada, servindo apenas como uma escada para que a atriz possa brilhar.

Com exceção de Jai Courtney, que interpreta Wizz, o antagonista da personagem principal, os outros atores não ficam em evidência o suficiente para deixar uma marca relevante. Deste elenco de apoio, nomes como o de Judy Greer, Noah Reid e Jermaine Fowler também precisam ser citados.

A obra não esconde ser de baixo orçamento e abraça essa característica com boas inventividades de roteiro e produção. As cenas filmadas na prisão e no tribunal, por exemplo, simbolizam estes méritos. Pontos para a diretora Tanya Wexler (“Jolt: Fúria Fatal”), que mantém o ritmo veloz e ajuda a construir a narrativa com um certo ar de urgência, principalmente no último terço.

No entanto, é justamente o desfecho do filme o seu momento mais problemático. As motivações simplórias, as consequências brandas e todo o desenrolar do arco final parecem a pintura malfeita de um prédio cuja base foi bem cimentada. A sensação é de que o filme correu para caber na 1h30min de duração, porém deixou o gosto amargo de que algo se perdeu nessa pressa.

“Como Sair de Buffalo” é um retrato satírico do sonho americano. Com uma ambientação e uma fotografia que remetem aos bons momentos de Sessão da Tarde, mas sem a aventura infantil e com um ar extravagante de “Fargo”. Ainda que seja um filme leve, a temática é complexa e pontua questões necessárias sobre ética e o modelo econômico atual. Acima de tudo isso, porém, a obra funciona como um palco para que Zoey Deutch possa se apresentar.

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“Como Sair de Buffalo” está disponível na HBO Max.

Breno Damascena
@brenodamascena_

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