Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 07 de janeiro de 2022

PIG – A Vingança (2021): amizade excêntrica, jornada envolvente

Uma relação incomum de afeto protagonizada por Nicolas Cage e uma porquinha é a força motora desse drama curioso e envolvente.

Nicolas Cage é um ator de talento indiscutível, mas que insiste, ano após ano, em colocar sua carreira em xeque devido aos filmes que escolhe protagonizar. Esse tipo de figura, que parece querer apenas se divertir não importa o roteiro, é bastante conhecida em Hollywood (vide Robert De Niro e Adam Sandler). Mesmo assim, ele segue com sua áurea de ícone intacta. Acontece que, de tanto trabalhar, uma hora alguma coisa boa tem que sair e quando sai, surpreende. “Pig” é uma obra tão esquisita quanto as últimas escolhas de Cage, mas funciona. Com um coração gigante que bate na relação genuína entre o protagonista e seu bicho de estimação, o filme serve ainda para nos lembrar quão bom é o ator quando está no lugar certo.

A história dos estreantes Vanessa Block e Michael Sarnoski coloca Cage no papel de Robin Feld, um homem solitário e introspectivo que vive recluso em sua cabana nas florestas de Oregon. Ao lado de sua porquinha, por quem nutre grande afeição, Rob passa seus dias caçando trufas valiosas, as quais repassa para Amir (Alex Wolf), jovem comerciante que trabalha para com o objetivo de um dia conseguir a aprovação do pai bem-sucedido (Adam Arkin). Só que a vida pacata de Rob sofre um grande abalo quando seu animal de estimação é sequestrado. Disposto a encontrá-lo, ele se vê obrigado a retornar a cidade em busca de pistas e, com a ajuda de Amir, terá que reviver um passado doloroso que preferia deixar enterrado.

É difícil afirmar que este representa o retorno triunfal de Nicolas Cage, tendo em vista que o ator exibe em seu vasto currículo uma média de 3 a 4 projetos por ano só na última década – e alguns nem são tão ruins. Porém, até aqui esta produção é daquelas que salta aos olhos. O roteiro parte de uma premissa bastante conhecida. Para encontrar uma história em que um indivíduo taciturno se vê obrigado a sair das sombras depois de sofrer um forte golpe, basta lembrar de “John Wick“. Só que do mesmo jeito que o filme estrelado por Keanu Reeves encontrou meios para ser relevante, o diretor Michael Sarnoski desenvolve sua narrativa a partir de uma relação curiosa, ao passo que a sustenta com uma sucessão de acontecimentos excêntricos.

A amizade entre Rob e a porquinha não precisa de tempo para tocar o espectador. Concebida de maneira rápida, fácil e eficiente, os poucos minutos em que ambos contracenam é o suficiente para que a direção, também com o auxílio da atmosfera distante e deserta, consiga mostrar o apreço dele por ela e que sua motivação em deixar seu esconderijo a fim de achá-la não deve ser contestada. Contudo, a emoção logo dá lugar a um thriller instigante com a sequência dos fatos apresentando os diferenciais da narrativa. A volta do protagonista à cidade mergulha o público numa jornada intrigante de lutas clandestinas e alta gastronomia e vai revelando, em atos bem estruturados, a força do nome Robin Feld.

E a relevância do nome ganha ainda mais força devido a interpretação de Nicolas Cage. Em estado de graça, o vencedor do Oscar, conhecido por suas atuações mais explosivas, surge aqui bem mais contido, conferindo ao seu protagonista uma personalidade mais sóbria, em que a melancolia se faz presente sem que o personagem pareça piegas. Munido de pouquíssimos diálogos, sua introspecção soa ameaçadora em certos momentos, ao mesmo tempo em que desperta a atenção por parte do espectador, em uma atuação construída por tijolos minimalistas e que reforça o brilhantismo de Cage. Ágil e interessante, “Pig” é um filme surpreendentemente carismático e emocionante. Uma estreia respeitável para não perder de vista.

Renato Caliman
@renato_caliman

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