Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de agosto de 2021

The Bad Batch (Disney Plus, 1ª temporada): perfeito epílogo com voz própria

Surgida a partir da necessidade de preencher lacunas, a série "Star Wars" concilia com tranquilidade todos os fardos que lhe são impostos sem negligenciar sua própria voz e narrativa principal.

Quando foi anunciada inicialmente, durante o Dia do Investidor da Disney no final de 2020, “The Bad Batch” foi recebida com sensações conflitantes pelos fãs. Em meio a um caminhão de anúncios mais impactantes, um deles traria o retorno de Dave Filoni às animações, e logo com uma série sobre os clones, que ele conhece tão bem. Mas, ao mesmo tempo, a Força Clone 99 (Dee Bradley Baker) não parecia o melhor objeto para uma série própria, já que ninguém os conhecia direito. Felizmente, o sucessor espiritual de George Lucas em “Star Wars” nos provou errados – de novo.

A Força Clone 99 – ou os Mal Feitos, como são popularmente conhecidos dentro e fora do universo da franquia – aparecera pela primeira vez no arco inicial da sétima temporada de “The Clone Wars“. É difícil chamar atenção quando a premissa final da série é estabelecer o elo com um dos filmes da Saga Skywalker, e isso marcou o arco dos Mal Feitos como o que teve menos repercussão. Talvez por isso ele fosse um terreno tão fértil para novas histórias nessa época de “Star Wars” que parece ser a favorita da Lucasfilm, a ascensão do Império. Nas mãos de Filoni, contudo, não há como dar errado, e o resultado é simplesmente perfeito.

A primeira temporada de “The Bad Batch”, aliás, funciona quase como um epílogo de “The Clone Wars“, e seu primeiro episódio tem até o mesmo molde de um episódio da série anterior, mostrando o final das Guerras Clônicas e a Ordem 66 sob a perspectiva dos Mal Feitos. Uma equipe altamente especializada em reverter quadros irreversíveis, eles precisariam agora decidir o que fazer da vida: provar ao novo Império Galáctico que pode ser útil ou tentar encontrar propósito em outro canto da galáxia. Uma escolha complicada para quem foi feito apenas para lutar uma única guerra, que agora acabou.

Para a sorte da equipe, logo após sua derradeira exibição para moff Tarkin (Stephen Stanton) – sempre ele -, eles conhecem um clone peculiar em seu planeta natal Kamino, a pequena Omega (Michelle Ang), que os monitora desde sempre. Omega é o coração e a alma da série, e por vezes representa o próprio sentimento dos fãs percorrendo uma galáxia de aventuras junto aos Mal Feitos. Mais que uma criança que a equipe de soldados precisa cuidar, ela é quem os força a confrontar suas escolhas e viver com as consequências.

O que chama atenção na série é como ela consegue lidar com todos os fardos que lhe são impostos sem deixar de lado sua própria narrativa. “The Bad Batch” surgiu da necessidade de “Star Wars” de preencher lacunas e começar a dar explicações para acontecimentos presentes e futuros da franquia, e satisfaz todas essas demandas logo na primeira temporada, aliando fan service bem feito e cheio de referências do início ao fim com uma história principal carregada de drama e ação. Para conciliar isso tudo em meros 16 episódios, Dave Filoni contou com oito roteiristas, entre eles a showrunner Jennifer Corbett, veterana da ótima, mas mal sucedida “Star Wars Resistance“.

Como sempre, a série aborda alguns temas constantes da franquia, tal qual a busca por seu lugar na galáxia e a redenção para quem faz o mal. É inevitável traçar comparações entre certos personagens e momentos, mas a repetição também faz parte do que compõe uma boa história “Star Wars” (“é como poesia, ela rima“, já diria o criador). Afinal, já vimos guerreiros criando e protegendo uma criança antes em “The Mandalorian“, por exemplo, e certos conflitos são idênticos aos que já vimos até nas telonas.

Filoni e Corbett, por já terem experiência prévia no ramo, compreendem a importância da rima da saga sem torná-la algo repetitivo. Pelo contrário, a história de “The Bad Batch” é contada com tanto cuidado e calma que é difícil não se envolver e sentir parte da própria equipe e torcer pelo sucesso de cada missão, seja tentando fazer a coisa certa por alguém que precisa ou apenas realizando mais um trabalho para ter o que comer. A qualidade de cada episódio impressiona até os fãs mais exigentes. Da animação à narrativa, dos efeitos e trilha sonora ao desenvolvimento de personagens e conflitos, tudo é amarrado de modo a não deixar sequer uma ponta solta, mas sempre com a promessa de novas histórias em cada novo planeta que os Mal Feitos visitam ou cada alienígena peculiar que encontram.

Outro ponto digno de nota é a versatilidade e tranquilidade do dublador Dee Bradley Baker. Seu papel em “Star Wars” sempre foi um dos mais complexos em toda a franquia, tendo de dar vozes únicas e individuais aos clones em “The Clone Wars“. Agora, ele estabelece sozinho a personalidade e sonoridade singular de cada membro dos Mal Feitos: Hunter, Crosshair, Wrecker, Tech e Echo. Além, claro, dos clones remanescentes. O serviço que Baker tem prestado à franquia é imensurável, e vê-lo (ou melhor, ouvi-lo) trabalhar é um prazer.

Já renovada para uma segunda temporada, “The Bad Batch” parece, inclusive, manter a promessa de preencher mais lacunas pelas brechas deixadas. O desafio agora será manter o alto nível estabelecido até aqui, que superou até o magnífico final de sua série antecessora.

Julio Bardini
@juliob09

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