Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 23 de julho de 2021

Jolt (Prime Video, 2021): as esquecíveis faces da ação

Apesar de bastante dinâmico, o filme traz personagens e cenas de ação tão passageiras quanto a rapidez que tenta imprimir em seu ritmo.

Dona de uma condição especial em seu DNA, a agressiva Lindy (Kate Beckinsale) nunca foi de se relacionar facilmente com outras pessoas. Reconhecida por seus constantes episódios de fúria repentina, não foram poucos os que tentaram se aproveitar de seu potencial, determinando uma trajetória marcada desde a infância por projetos governamentais e entidades duvidosas. Após inúmeros fracassos, apenas o seu psiquiatra, Dr Munchin (Stanley Tucci), foi capaz de desenvolver uma solução, responsável pela criação de um colete de choque que a permite bloquear parte de seus impulsos. Dessa forma, ela embarca em uma tentativa de levar uma vida normal, e se apaixona por Justin (Jai Courtney), um homem que parece aceitá-la exatamente como é. Tudo se altera, todavia, quando o seu amado é assassinado, levando Lindy a embarcar em uma sangrenta busca por vingança.

Dirigido por Tanya Wexler, é essa a trama do mais novo lançamento do Amazon Prime Video, “Jolt“, filme que tenta imortalizar um novo rosto para a recente safra dos thrillers de ação mas acaba sendo prejudicado pela própria ausência de ideias. Partindo de uma premissa até interessante, é curiosa a discussão que a obra oferece acerca da busca por pertencimento, definindo-a como o grande disparador para a jornada de Lindy. Embora possa em algumas passagens soar bastante simplista, visto que a própria parece internalizar que um companheiro ideal possa “consertá-la”, é justamente essa caricatura que conquista a atenção do espectador logo no início, também pontuada pelas bregas, mas justamente por isso divertidas, sequências de ação que permeiam a sequência de abertura.

O que poderia despontar como uma ótima desconstrução do gênero e parodiar justamente os artifícios que o plastificaram nos últimos anos, todavia, acaba se rendendo aos próprios e proporcionando uma atração bastante esquecível, permeada por passagens de ação que, embora em alguns momentos chamem a atenção pela coreografia, são em grande maioria completamente genéricas. Não suficiente, as mesmas dão lugar umas as outras sem nenhum momento de respiro, dificultando a compreensão da trama por parte do espectador e jamais oferecendo ao mesmo a capacidade de absorver as informações fornecidas.

Se, por um lado, isso determina um ritmo bastante dinâmico – bem-vindo em uma produção que pouco tem a oferecer além de algumas emoções baratas -, por outro simplifica ainda mais a narrativa desenvolvida e enfraquece profundamente os seus coadjuvantes, que poderiam ser bem utilizados caso a obra optasse pelo já mencionado caminho de subversão. No entanto, o resultado nada mais é do que uma série de aparições desperdiçadas e, em casos como o da personagem de David Bradley, sequer esclarecidas, conduzindo a uma anticlimática resolução na qual todas as soluções apresentadas aparentam ser convenientes demais.

Não suficiente, apesar da carismática performance de Kate Beckinsale – que bem se adequa à boa mistura que o filme, ao menos, consegue proporcionar ao misturar violência e comédia -, é uma pena que Lindy seja uma protagonista que apenas reforça um clichê há algum tempo consolidado pela inclusiva onda Hollywoodiana: a construção de personagens femininas poderosas que se desviam de um aprofundamento capaz de gerar identificação. Embora suas imperfeições sejam constantemente reforçadas, o arco da personagem acaba girando em torno do seu aperfeiçoamento como uma “máquina de destruição” em detrimento de uma evolução psicológica, afastando-a de uma condição humana que muitos roteiristas – papel aqui exercido por Scott Wascha – parecem ter a dificuldade de imprimir, buscando compensar as décadas de exclusão feminina com figuras fisicamente fortes e extremamente idealizadas.

Desse modo, “Jolt” consegue divertir em algumas passagens, sempre enérgico e bem humorado, mas desperdiça o que poderia ser um ótimo exercício de subversão e de inclusão nos explosivos thrillers recentes.

Davi Galantier Krasilchik
@davikrasilchik

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