Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 20 de julho de 2021

O Mauritano (2021): importante documento histórico

Apesar da narrativa fria que pouco investe nas complexidades emocionais de seus personagens, a história de Mahammedou Slahi é chocante e terrível, e precisa ser conhecida.

“O Mauritano” faz parte da seleção do Festival do Rio 2021! Você pode assisti-lo gratuitamente na plataforma do Telecine apenas no dia 20/07 – acesse aqui.

O Diário de Guantánamo” é um livro escrito pelo mauritano Mohammedou Slahi baseado nas muitas cartas que escreveu quando era prisioneiro em Guantánamo, base militar americana situada em Cuba. O filme “O Mauritano” conta a história do autor, sua injusta prisão e o chocante conteúdo revelado nas páginas.

O filme retrata como, poucos meses após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001, os Estados Unidos estavam sedentos por encontrar culpados e puni-los. Abrindo com Slahi (Tahar Rahim) em seu lar na Mauritânia – país do noroeste africano, o longa mostra policiais locais “convidando-o” para ser levado até agentes americanos que queriam “conversar” com ele. De lá, ele foi levado para uma prisão na Jordânia, onde ficou meses passando por torturas, e foi transferido até chegar à base de Guantánamo em 2002. Só saiu de lá em 2016.

A maneira como foi capturado sem maiores explicações exemplifica sua vida como detento dos Estados Unidos. Apesar de um passado que levantava suspeitas, nunca houve provas concretas de que ele foi o recrutador principal dos atentados. Entretanto, um de seus primos trabalhava com Bin Laden e ligou para Slahi com o telefone de satélite do extremista, o que fez com que os americanos, sedentos por resultados da intitulada “guerra ao terror” do governo Bush, o interrogasse incessantemente sobre seu suposto papel nos ataques.

Após um longo tempo explicando que era inocente, Slahi passou pelo que seus captores chamavam de “táticas avançadas”, nome dado para tortura sancionada pelo governo. Após espancamentos, privações de sono, afogamentos, humilhação sexual e até a ameaça de que sua mãe seria capturada e estuprada, o mauritano não aguenta mais e diz o que seus algozes querem ouvir: que foi recrutador da Al Qaeda.

Ao longo de toda a projeção, Rahim dá vida e humanidade a um personagem que precisa encarar situações absurdas que o levam a experienciar solidão e desespero, mas com uma leveza no humor que nunca foi quebrada. Pena que a direção de Kevin Macdonald, conhecido por inúmeros documentários, não é muito inspirada. Não que não tenha momentos interessantes, como as mudanças no foco para ilustrar a confusão do protagonista, mas pouco se faz para que a trama ganhe camadas emocionais suficientes, resultando numa obra que basicamente relata os acontecimentos como um artigo da Wikipédia.

Um grande exemplo disso é a personagem vivida por Jodie Foster, a advogada Nancy Hollander. Ela se mostra durona e intransigente, mas pouco se conhece sobre quem ela é como pessoa e como aquele caso mexe com ela. Ao ser questionada do porquê de defender um “terrorista”, ela diz que defende que a constituição seja seguida, algo importante para o funcionamento justo do país para todos os cidadãos; mas fica a fria sensação de que isso foi contado, não mostrado. Não há a menor tentativa em explorar o quanto isso significa para ela, que, como quase todos os outros personagens, está lá só para dar um rosto a nomes que tiveram papel no desenrolar da trama.

Acrescente a isso o personagem de Benedict Cumberbatch, promotor militar quase utópico demais para funcionar, mas que pelo menos ilustra como os Estados Unidos queriam condenar alguém rapidamente, independentemente de provas. Se há alguma emoção real, ela vem com as cenas finais, que não serão descritas aqui para não dar spoilers. “O Mauritano” não é artisticamente diferenciado, mas reforça o papel da sétima arte em criar filmes que têm importante papéis como documentos históricos. E se há uma história que merece – e precisa – ser conhecida e difundida, é a de Mahammedou Slahi.

Bruno Passos
@passosnerds

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