Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de junho de 2021

Sweet Tooth (Netflix, 1ª temporada): doce aventura com toques de terror

Ficção e realidade se encontram numa jornada comovente e divertida em meio ao apocalipse.

A adaptação de histórias em quadrinhos está longe de ser algo novo, mas a prática tem sido bastante recorrente nos últimos anos. As plataformas de streaming que o digam. Na Netflix, por exemplo, é muito fácil dar de cara com essas adaptações, e os resultados são bem irregulares. Algumas delas muito boas como “Demolidor” e “The Umbrella Academy“, enquanto outras como “Punho de Ferro” e a mais recente “O Legado de Júpiter” são tão ruins que dói só de lembrar. Produzida por Robert Downey Jr. e Susan Downey, “Sweet Tooth“, ficção pós-apocalíptica que tem no centro um garotinho metade humano e metade cervo, mostra que não basta adaptar. É preciso também se reinventar. Sobre uma base sólida, onde a essência da HQ é mantida, nasce uma aventura graciosa e empolgante que se equilibra bem entre a fofura e o terror.

Inspirada nos quadrinhos escritos por Jeff Lemire, a série acompanha a jornada de sobrevivência do pequeno Gus (Christian Convery) num universo pós-apocalíptico tomado por um vírus mortal. Criado por seu pai (Will Forte) dentro de uma reserva florestal distante da cidade e de qualquer outro ser humano, Gus é obrigado a encarar os perigos da vida lá fora após uma sequência de acontecimentos. Motivado pelo desejo de encontrar o paradeiro da mãe, o menino segue sua aventura na companhia do gigante e sisudo Jepperd (Nonso Anozie) e da corajosa Bear (Stefania LaVie Owen). Disposta a ir além da recriação da fantasia distópica de Lemire, a série promove algumas boas mudanças. A narrativa recorre a uma atmosfera mais juvenil e simpática, deixando de lado a abordagem mais sombria da obra original.

À primeira vista o conceito de seres híbridos, meio humanos meio animais, soa um pouco assustador, afinal o diferente sempre tende a causar mais impacto. Os quadrinhos de Lemire seguem próximos dessa ideia. Gus, por exemplo, é apresentado com traços que realçam sua deformação, além de parecer mais velho. As cores que pintam os personagens também são frias e apagadas, entrando em acordo com a atmosfera ameaçadora na qual estão inseridos – Tim Burton iria se divertir com esse universo. Embora preserve o lado assustador do material em que se baseia, a série, buscando ser universal, investe num cenário de cores vivas, híbridos potencialmente fofos e relações tão vívidas e bem desenhadas que são capazes de desviar o olhar do espectador para a previsibilidade dos acontecimentos.

O roteiro de Jim Mickle, realizador que tem no breve currículo produções direcionadas para o terror e o mistério, faz valer sua experiência e pensa numa atmosfera compatível com os quadrinhos, porém não reserva muitas reviravoltas ou surpresas impactantes. O mesmo se aplica a sua atuação como diretor. Mickle conduz a narrativa de maneira simples, seguindo a cartilha de obras do gênero. O que tira a série do lugar comum é a empatia dos personagens e a dinâmica entre eles. Gus, Jepperd e Bear são figuras com características muito particulares e cada vez que dialogam uma faísca de carisma se acende para chamar a atenção do público. Quando juntos, entregam momentos divertidos e tocantes, principalmente Jepperd e Bear, que são ainda mais amados quando assumem o carinho por Gus.

Outro mérito da narrativa é encontrar valor em núcleos paralelos, como os do casal Singh (Adeel Akhtar e Aliza Vellani) e da Dr. Aimee (Dania Ramirez) e sua filha Wendy (Naledi Murray). Ambas histórias são pautadas pelo amor, igualmente essenciais para o desenrolar dos fatos e bonitas de acompanhar. Para o lado sombrio da série, não poderia faltar uma figura ameaçadora. O General Douglas Abbot (Neil Sandilands), surge como o grande vilão, com o objetivo de extinguir os híbridos. Apesar do visual caricato, a interpretação é intimidadora, ganhando peso com as motivações ditatoriais. Embalada por um trilha sonora envolvente e uma narração pontual e elegante que vem pela voz firme de James Brolin, a primeira temporada de “Sweet Tooth” desenvolve muito bem as suas ideias e encerra no auge, deixando o público ansioso por mais.

Renato Caliman
@renato_caliman

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