Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 22 de maio de 2021

Cherry – Inocência Perdida (2021): grande atuação cercada por confusão narrativa

Filme era chance para Tom Holland e os Irmãos Russo mostrarem que são mais do que seus trabalhos recentes na Marvel, mas pouco se salva da obra além da atuação do personagem principal.

Há momentos na carreira de um profissional — sobretudo depois dos primeiros sucessos — em que é necessário fugir das repetições e trazer algo oposto e diverso, que mostre talento e capacidade de inovação. No audiovisual não é diferente. Atores e diretores costumam evitar a pecha de serem conhecidos apenas por um estilo se desejam escrever seus nomes no hall dos grandes profissionais da área. “Cherry – Inocência Perdida” revela-se uma grande oportunidade para o protagonista Tom Holland e os diretores Joe e Anthony Russo mostrarem seu valor. Contudo, o resultado não parece promissor, ao menos para os últimos.

No prólogo, o personagem principal narra, em voice over, que sua vida deu incrivelmente errado, que não tem ideia de como as coisas funcionam no mundo, e, em seguida, vemos ele entrar em um banco e anunciar um assalto. É aí que o longa retorna alguns anos para mostrar o quanto a jornada do protagonista é repleta de acontecimentos que, fatalmente, o levarão à situação inicial.

Os irmãos Russo devem ter se interessado bastante pela quantidade de situações e facetas do protagonista apresentadas no material original de “Cherry” — o livro homônimo e autobiográfico do escritor estreante Nico Walker. Porém, a transposição da história para a mídia audiovisual sofre mais do que deveria. Por um lado, os diretores apostam em estilizações que até funcionam, como as mudanças nos nomes de bancos e outras placas de sinalização ou as narrações de eventos que já acontecem em seguida, tudo em favor de um tom crítico e irônico que se deseja adotar. Contudo, essa necessidade de retratar tantos ângulos diferentes do personagem — e era a intenção desde o início, haja visto a quantidade de cartazes de divulgação focando nos diversos momentos da jornada do protagonista — acaba mais derrapando na superficialidade do que, necessariamente, adicionando conteúdo à forma estilizada apresentada.

Isso se dá porque, mesmo com a entrega absurda de Tom Holland para aprofundar seu protagonista, funcionando quase como um estudo de personagem do mesmo, os atos do filme não conversam entre si. No primeiro momento, o protagonista é um estudante, sem amparo de uma família, que acaba se apaixonando pela colega Emily (Ciara Bravo). Entre idas e vindas de um amor juvenil, um mal-entendido acaba levando o jovem a se alistar no Exército. Temos a primeira transição no longa, de um coming-of-age indiferente para um áspero filme de guerra. Não sem antes apostar em alguns clichês do gênero, o que vemos após a viagem do personagem principal para a guerra no Iraque é um retrato contundente do quanto aquela situação é solitária, sem esperança, e o quanto o ser humano procura se apegar a alguma esperança de melhora.

Passada a melhor parte de “Cherry”, temos o retorno do protagonista marcando mais uma transformação — esta um pouco mais gradativa — entre os atos do longa. Ao contrário do primeiro ato, que pouco contribui para a narrativa (exceto pela existência do relacionamento com Emily), agora o personagem principal precisa enfrentar as adversidades causadas pelo estresse pós-traumático após tudo o que viveu durante a guerra. É nesta hora que vemos o maior potencial do filme, o que nos leva a questionar por que tanto tempo foi gasto antes de embarcar nessa jornada. 

Os Irmãos Russo desejam que “Cherry” seja a forma ideal para contar a história do protagonista, e Tom Holland faz tudo ao seu alcance para dar vida ao que o filme precisa. Mas os diretores acabam sabotando a própria obra por não saberem que uma direção eficiente não significa, necessariamente, uma direção que mostra absolutamente tudo. Desta forma, um romance juvenil apagado, uma drama de guerra valoroso, porém sem tanto destaque, e uma biografia sobre um ladrão viciado em drogas mostram-se tanta coisa para ser vista de uma vez que as 2h22min de duração servem apenas para prolongar a experiência de assistir a mais um filme esquecível, com ao menos uma boa atuação para fazer valer o tempo.

Martinho Neto
@omeninomartinho

Compartilhe