Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 11 de maio de 2021

Army of the Dead (Netflix, 2021): adrenalina em potencial se perde em filme tedioso

A empolgação de um início sem freios de um bom filme de zumbi acaba sendo assassinada por uma história entediante.

Depois de dirigir oito filmes, Zack Snyder estabeleceu um estilo facilmente reconhecível, e que não parece mudar. Assim, é possível entender porque existe tão claramente uma parte do público que não gosta de seu trabalho e o julga antes mesmo de ver, e outra parte que o venera, não importa o que faça – se ele não muda, as opiniões não teriam como mudar. Uma marca registrada do cineasta são suas aberturas visualmente impressionantes, acompanhadas de músicas populares, em cenas usadas para dar um resumo sobre o que o público precisa saber antes de embarcar na jornada. Em sua maioria, elas cumprem o objetivo de deixar o espectador animado para o que vem adiante. Mas o que também acaba sendo comum nas obras de Snyder é como eles conseguem dissipar essa empolgação com uma história esticada, restando apenas aquilo que seus haters odeiam e seus fãs veneram. Com “Army of the Dead: Invasão em Las Vegas”, não é diferente.

A produção da Netflix marca o retorno de Snyder ao gênero de zumbis, dezessete anos depois de “Madrugada dos Mortos”, sua estreia na direção de um longa. Desta vez, existe um elemento a mais, o de assalto, e assim a clássica equipe de um filme deste estilo não só tem que lutar contra zumbis, mas ainda precisa roubar um cofre de um cassino no meio de uma Las Vegas em ruínas. Esta é a missão oferecida pelo magnata Bly Tanaka (Hiroyuki Sanada, em seu segundo papel desperdiçado do ano) a Scott Ward (Dave Bautista), um desabrigado de Vegas experiente na guerra contra os comedores de cérebros. Ele então tem de reunir um time para invadir a cidade antes que ela seja bombardeada pelo governo – o que acontecerá em 32 horas.

Todo o contexto para este “apocalipse zumbi” é muito bem estabelecido nos primeiros minutos, que mostram o início da infestação com um bom suspense, e já mergulha direto no gore quando Las Vegas é dominada pelos zumbis. Seguem então os créditos iniciais, que retratam o time de sobreviventes se formando e se unindo a fim de manter a contaminação apenas na Cidade do Pecado. É empolgante e passa a impressão de que quando chegarmos ao presente, veremos a equipe liderada por Ward chutando bundas mortas-vivas a todo instante, ao mesmo tempo em que executam o ambicioso assalto. E isso acontece apenas em uma parcela do filme, visto que a sua maioria se dedica a subtramas com pouco ou nenhum apelo ou carisma.

Começando pela mais relevante, Snyder reflete muito de si ao colocar o relacionamento de Scott e sua filha Kate (Ella Purnell) como o centro emocional da história. De início, Ward vê no assalto a chance de conseguir mais dinheiro não só para ele próprio, mas também para sua filha há tanto tempo afastada, permitindo que ela melhore de vida. Mas quando uma subtrama completamente sem graça força Kate a participar da missão, Scott também vê nesta perigosa aventura uma oportunidade de se reconectar a ela. É possível reconhecer a boa intenção por trás da ideia de ter tal relacionamento em destaque, mas simplesmente não funciona. Talvez isso se deva a algo que acontece repetidas vezes em “Army of the Dead”: sucessão de acontecimentos que não parecem fazer sentido algum, e que nos deixa indagando “por quê???” a cada instante em que um caminho muito mais empolgante é deixado de lado em prol de uma alternativa maçante.

Consequentemente, um ingrediente em falta é o desenvolvimento dos bons personagens. Não que um filme como este precisasse de indivíduos complexos, mas falta tempo com aqueles que ainda conseguem conquistar levemente o público. Da equipe, destacam-se a sarcástica piloto de helicóptero Peters (Tig Notaro); a experiente máquina de matar zumbis Vanderohe (Omari Hardwick) e o nada experiente Dieter (Matthias Schweighöfer), importante para a missão apenas por ser o arrombador de cofres; e a guerreira que serve como guia na Las Vegas destruída, Coyote (Nora Arnezeder). Estes personagens funcionam bem e, em um roteiro mais inteligente, seriam colocados em posições tão importantes que suas possíveis mortes seriam lamentadas por um público facilmente afeiçoado a eles.

No entanto, eles têm de dividir a tela com: a já mencionada trama entre pai e filha, que ocupa muito tempo e pouco nos faz importar com a sobrevivência de ambos; um esquisito romance subentendido entre Ward e a mecânica e matadora de zumbis Cruz (Ana de la Reguera); a constante dubiedade de Martin (Garret Dillahunt), chefe de segurança do cassino; a desnecessária Geeta (Huma Qureshi), que se coloca em perigo apenas para levar a trama à frente; e o segurança nada confiável Burt Cummings (Theo Rossi), cujo destino está claro diante nossos olhos, desde a sua primeira cena. Os personagens de Raúl Castillo e Samantha Win até demonstram potencial, mas o filme não aposta neles.

Os zumbis possuem um diferencial: os alfas. Eles são a espécie evoluída, que vivem de forma mais similar a humanos do que a monstros. Eles ainda são selvagens e não hesitam em matar, mas eles pensam e agora controlam, de forma pseudo-organizada, a Las Vegas abandonada. Zeus (Richard Cetrone), o líder, é assustador e domina bem todas suas cenas, mesmo que uma delas envolva algo bem bizarro, até para um filme gore de zumbis. As criaturas não decepcionam, e na verdade fazem falta. Cortar a equipe pela metade e dá-los a chance de enfrentar os inimigos por mais tempo de tela e de formas mais criativas teria sido uma ideia melhor.

“Army of the Dead” é um filme bem Zack Snyder, sim. Afinal, ele criou a história, corroteirizou, coproduziu, e ainda é o diretor de fotografia. Seu estilo é visível em cada canto da tela, e a estrutura é a mesma que ele costuma seguir. Então, assume-se que seus fãs irão gostar. No entanto, há de se destacar um detalhe: mesmo quando alguns dos longas de Snyder derrapavam, ainda se encontravam momentos para celebrar. Aquelas cenas que ainda seriam aproveitadas em clipes no YouTube, geralmente levadas pelo som de alguma música ou uma estrondosa trilha. Porém aqui, este momento é literalmente o início da obra, que logo mais já estará disponível na internet. O restante são quase 2h30min de mediocridade, que pega todas as possíveis recompensas que o público poderia ter e as joga fora. Mas ainda há esperança para alguns: aqueles que gostaram de “Sucker Punch” não têm como achar “Army of the Dead” ruim.

Louise Alves
@louisemtm

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