Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 30 de abril de 2021

Sem Remorso (Prime Video, 2021): boa receita para a ação

Adaptando as obras do conhecido escritor Tom Clancy, "Sem Remorso" tem todos os ingredientes para ser um filme de ação grandioso, e só não chega lá por problemas técnicos.

O cinema de ação vem nos proporcionando grandes exemplares nos últimos anos, com novas franquias de sucesso surgindo e se perpetuando, além de mostrar o potencial de atores conhecidos que se aventuram nessa categoria de obras – atire a primeira pedra quem colocou fé no primeiro “John Wick” antes de assistir. Com a estreia de “Sem Remorso”, nova produção disponível no Amazon Prime Video, mais um longa desse gênero com um grande nome de Hollywood como protagonista, fica o questionamento: o que um filme de ação precisa para ser considerado grandioso?

É possível adiantar que certamente não há necessidade de uma história complexa para que o longa de ação funcione. Pelo contrário, muitos exemplares recentes são até elogiados por apresentarem premissas simples e de fácil compreensão e aceitação, levando logo o espectador para o que realmente interessa: tiro, porrada e bomba. Em “Sem Remorso” não é diferente. Michael B. Jordan interpreta John Kelly, um Navy SEAL que participa de uma operação questionável na Síria, o que coloca sua família no alvo de militares russos e, posteriormente, o transforma em uma máquina movida à vingança. Estes acontecimentos, que consistem no primeiro ato da obra, acontecem de forma muito direta e relativamente rápida. O diretor Stefano Sollima (“Sicário: Dia do Soldado”), assim como vários outros cineastas do meio, não estão muito preocupados em criar laços, construir motivações complexas, nada disso. E isso fica visível, também, no quanto a explicação do contexto político e das intrigas internacionais é deixada de lado, sendo necessário uma solução quase amadora do roteiro de Taylor Sheridan (“Terra Selvagem”) para elucidar tudo no final. Aqui é pá, pum: mataram a família do Michael B. Jordan e agora ele quer vingança, então vamos torcer para que a vingança dê certo até o último segundo de duração e ponto final.

Claro que essa tarefa fica mais fácil quando temos um dos atores mais magnéticos e atraentes de Hollywood na nossa tela. O que nos leva a pensar se um protagonista carismático é condição fundamental para um bom filme de ação. Para responder, basta fazer um exercício rápido e pensar em personagens principais marcantes e ir voltando no tempo: Keanu Reeves, Charlize Theron, Bruce Willis, Liam Neeson, Sylvester Stallone, Arnold Schwarzenegger, Clint Eastwood… Já deu pra notar um padrão? Pois é, podemos afirmar até que a alma do filme de ação é o seu protagonista. Felizmente para todos nós, Jordan está muito à vontade no papel, entregando uma humanidade fora do comum, tanto física quanto emocionalmente. Claro que ele não está sozinho o tempo todo, por isso é importante destacar positivamente a dupla que John faz com Karen Greer (Jodie Turner-Smith), mostrando uma grande cumplicidade, além de fazer as vezes de âncora moral para o personagem durante seu frenesi vingacional. Já o destaque negativo fica por conta do militar Robert Ritter (Jamie Bell), que parece sempre deslocado do grupo que participa, além de não conseguir transpassar a autoridade do cargo que ocupa – ele acaba, porém, encontrando um bom lugar no final.

Chega de enrolação e vamos para o que realmente interessa em “Sem Remorso” e em todo o gênero: as set pieces. Estas que consistem naquelas cenas memoráveis e marcantes de ação, que dão aquele sentimento recompensador quando assistimos e dificilmente vão sair da nossa mente (resumindo: basta falar “cena da igreja em ‘Kingsman’” ou “cena do Tom Cruise pendurado no avião em ‘Missão: Impossível’” que você vai entender essa sensação). No longa do Amazon Studios, a primeira cena já dá um bom tom de como o diretor italiano decidiu captar a ação. Vemos a fatídica operação na Síria pelo ponto de vista do grupo de John, em que sentimos o peso da realidade de todas as formas. Seja pela veracidade que a cena passa, ou ainda pelo tempo que a operação dura, Sollima mostra desde o princípio que John Kelly é sim um combatente excepcional, mas ainda sim humano (talvez duvidemos disso em uma cena ou outra mais para frente), uma vez que o filme aborda, ainda que superficialmente, questões políticas e militares, sendo uma narrativa muito mais concreta do que, por exemplo, um hotel que abriga superassasinos que seguem um código de conduta específico.

O filme ainda traz outras set pieces empolgantes – com destaque para a agoniante cena do avião -, mas acaba pecando um pouco demais pelo preciosismo com a realidade. Isto reflete também no ritmo da obra, aquém do aceitável, quando a grande cena climática da produção se estende tanto que não consegue sustentar a empolgação inicial. Isto causa, de certa forma, estranheza ao assistir, pois esta sequência deveria marcar a transição entre o segundo e o terceiro atos. Porém, quanto mais tempo ela nos prende, menos tempo temos para as resoluções finais, o que acaba apressando tudo e prejudicando o compasso da narrativa. E não podemos esquecer da escuridão excessiva e fotografia com pouco contraste, defeitos já tão conhecidos por prejudicarem diversos filmes, e aqui não foi diferente. É preciso ficar clara a diferença entre manter o realismo e não conseguir enxergar partes consideráveis da tela.

O saldo final de “Sem Remorso” é deveras positivo, especialmente se tratando de um possível início de franquia baseada nos romances do escritor Tom Clancy – aos fãs e conhecedores, não deixem de ver a cena pós-créditos da obra. Percebemos aqui mesmo que um protagonista carismático, uma história de fácil compreensão e grandes cenas de ação são a receita certeira para o grande filme de ação. Não fossem alguns defeitos técnicos e de roteiro, o novo longa do Amazon Studios certamente seria ainda mais bem-sucedido.

Martinho Neto
@omeninomartinho

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