Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 16 de abril de 2021

Radioactive (Netflix, 2021): cinebiografia mediana

Filme sobre a cientista Marie Curie não consegue ser salvo por suas boas atuações, e entrega um enredo superficial e sobrecarregado de narrativas.

No  final do século XIX, a ciência descobria um fenômeno que seria utilizado desde como um dos componentes para a criação de bombas atômicas até como uma das peças-chaves em tratamentos de câncer: a radioatividade. Essa descoberta, importante por si só, ganha ainda mais notoriedade por ter sido feita a partir da parceria entre Pierre Curie e Marie Curie, uma das pouquíssimas estudantes mulheres da Universidade de Paris na época, e a primeira a ganhar um prêmio Nobel (anos depois, ela se tornaria a primeira mulher a ganhá-lo duas vezes). A história de Curie e de sua jornada na descoberta da radioatividade é contada no filme da Netflix, “Radioactive“, dirigido por Marjane Satrapi (“As Vozes”).

Seguindo a tradição de boa parte das cinebiografias, o longa fala sobre a vida de Marie Curie (Rosamund Pike) de forma episódica, acompanhando, em sua primeira parte, os anos ao lado de seu marido e companheiro de estudos, Pierre Curie (Sam Riley); e, em seguida, os acontecimentos posteriores à morte de seu cônjuge, como a revelação de que a radioatividade, se manuseada de maneira errônea, pode causar danos fatais ao corpo humano. Além disso, há um enfoque na relação de Curie com as filhas, especialmente a mais velha, que anos depois também receberia um prêmio Nobel por estudos envolvendo a radioatividade.

É justamente nessa escolha de retratar a história da cientista polonesa de forma episódica que recai o primeiro ponto negativo. Sendo um problema recorrente em cinebiografias, a tentativa de condensar anos de existência e de trabalho de um indivíduo em algumas poucas horas tem se mostrado, salvo algumas exceções, desacertada – “Bohemian Rhapsody” é uma prova disso -, e aqui não é diferente. O filme de Satrapi tenta abordar diversos acontecimentos que marcaram Curie (a descoberta da radioatividade, seu casamento, a relação com as filhas, sua fobia de hospitais, o machismo que sofre por ser uma mulher cientista e progressista são só alguns desses acontecimentos), e o resultado disso é que eles não são desenvolvidos com profundidade, mostrando-se apenas como fragmentos de pouca importância.

Contudo, entre esses acontecimentos, um deles toma conta da tela por mais tempo. A relação entre Pierre e Marie é mostrada de início a fim, desde seu primeiro encontro, até seu casamento, e a posterior morte de Pierre. Por mais que os dois sejam interpretados com empenho por Sam Riley e, especialmente, por Rosamund Pike (o elemento mais forte da produção), e por mais que seu relacionamento tenha sido essencial para a descoberta da radioatividade, ele acaba sobressaindo a narrativa da própria Marie, tomando o lugar de enredos que seriam muito mais interessantes, como a experiência de ser uma das poucas mulheres em uma universidade de prestígio e como isso afetou a falta de investimento em seu trabalho.

Além disso, os diálogos entre os dois são nutridos por clichês de comédias românticas (é irônico, inclusive, que em determinado momento Marie diga para Pierre que ele sempre tem uma frase pedante para dizer), que parecem não se encaixar na proposta do longa, sendo bastante fatigante de assisti-los. Porém, apesar do roteiro ter suas falhas e trivialidades, elas são amenizadas pelas escolhas estéticas feitas por Satrapi, que acerta em cheio na fotografia, e pela direção de arte de Michael Carlin (“Enola Holmes”), que cria uma ambientação acurada.

Sendo assim, as atuações e o visual de “Radioactive” são valorosos para a cinebiografia produzida pela Netflix, mas isso acaba se perdendo em meio aos enredos excessivos e a superficialidade com que eles são retratados, e a consequência disso é um filme ameno e esquecível, que não consegue reproduzir, de fato, a excepcionalidade que foi a vida e carreira de Marie Curie.

Ana B. Barros
@rapadura

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