Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 21 de março de 2021

Modern Family (2009-2020): venha pelo humor, fique por amor

Engraçada, atual e cheia de coração, série chegou a seu fim se firmando como uma das mais marcantes do século XXI, inovando em narrativa e com um elenco adoravelmente perfeito.

Depois de algumas conversas divertidas sobre as doideiras que suas famílias eram capazes de fazer, Christopher Lloyd e Steven Levitan criaram a longeva e bem-sucedida série “Modern Family”. A obra acompanha, em estilo mockumentary (documentário falso), uma família dividida em três núcleos. Encabeçada pelo patriarca Jay Pritchett (Ed O’Neill), a série passeia pela trinca de lares, sendo um do próprio Jay, outro de sua filha Claire (Julie Bowen) e o último do filho Mitchell (Jesse Tyler Ferguson).

Cada lar representa a pluralidade de diferentes famílias do século XXI. Claire forma o típico casal heterossexual com seu marido Phil (Ty Burrell), com quem tem três filhos; Mitchell é casado com Cameron (Eric Stonestreet), com quem tem uma filha adotiva; e Jay, após o divórcio, casou-se com a imigrante Gloria (Sofia Vergara), uma mulher bem mais jovem que tem um filho de um casamento anterior e outro com o próprio Jay.

A premissa de mockumentary se tornou um marco e um grande acerto da série. Se valendo de duas linguagens diferentes do estilo, uma sendo a de observadores, como se as câmeras estivessem sempre nas casas das famílias para filmar suas rotinas; e outra a de entrevistas, onde os personagens falam diretamente com a câmera comentando sobre diversos acontecimentos em suas vidas.

A forma com que os episódios usam esse artifício é brilhante e fonte de grande parte do humor da série. Se há algo acontecendo, é comum que isto seja intercalado com entrevistas dos envolvidos comentando o que estavam pensando, armando, ou apenas reagindo livres do constrangimento de fazer coisas na frente dos outros por inúmeros motivos. Os cortes e inserções desses trechos são cirurgicamente certeiros, tornando momentos aparentemente simples ou bobos em verdadeiras pérolas cômicas.

Essa renovada ao estilo das sitcoms é bem-vinda, ainda se aproveitando da comédia oriunda de situações inusitadas ou corriqueiras, mas trazendo este novo modo de narrativa que deu extremamente certo. Não é à toa que a série teve onze temporadas e foi indicada a 75 Emmys, tendo vencido 22.

Outro ponto fortíssimo é o elenco. Afiados e com uma química de fazer inveja, eles transmitem a sensação de família com tanto carinho que fica fácil comprar as relações entre todos. Não só dotados de inegável talento, os atores se deram muito bem por trás das câmeras, criando relações duradouras e profundas. Além de se referirem uns aos outros como “família”, alguns viajam juntos de férias e se apoiaram durante momentos marcantes de suas vidas pessoais. Bowen passou por divórcio; Sarah Hyland, que interpreta sua filha mais velha, passou por dois transplantes de rins; Ariel Winter, que tinha o papel da outra filha, passou por um complicado processo de se emancipar da mãe abusiva. Todas citam que o suporte que tiveram de seus colegas de elenco foi vital para encararem esses momentos difíceis.

Com mais de uma década de duração, os espectadores acompanharam o crescimento das crianças em adolescentes e adultos. O time de roteiristas soube tratar dessas mudanças sem exageros e sem menosprezar problemas adolescentes, abordando temas como ansiedade e depressão, e como a busca por apoio genuíno é vital. É mais impressionante ainda tratar de temas sérios sem perder a leveza e o humor, e ainda assim gerando cenas verdadeiramente emocionantes.

Aliás, na cozinha de uma das famílias, há marcações das crianças crescendo ao longo dos anos, e ela foi feita pelos próprios atores conforme cresciam. Esse tipo de cuidado com detalhes é responsável pela autenticidade familiar que se presencia em tela. Some-se a isso o fato de que os atores mais velhos ajudavam e agiam como mentores do elenco mirim com suas falas e timing cômico, e a sensação de ver pais e filhos fica ainda mais enriquecida e palpável em cada episódio.

As personalidades distintas e adoravelmente excêntricas (mas sem exageros) dos personagens é outro destaque. Do ingênuo e alegre Phil ao cético linha-dura Jay, a maneira com que todos interagem e reagem às peculiaridades alheias é deliciosa. Com um roteiro que sabe brincar com piadas que começam do jeito mais simples, mas que se tornam recorrentes em outros episódios, o humor aumenta proporcionalmente ao carinho que o espectador desenvolve por cada um.

Encerrando com um belo último episódio, cheio de referências ao piloto da série que não só a homenageia, mas fecha vários ciclos narrativos, “Modern Family” se firmou como uma das séries mais marcantes e bem-sucedidas da TV americana, que atraiu o público pelo humor e o conquistou pelo amor.

Bruno Passos
@passosnerds

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