Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 06 de março de 2021

WandaVision (Disney Plus, 2021): objetivo cumprido, mesmo aquém de seu potencial

Grande parte do que "WandaVision" fez, "Legion" fez primeiro e melhor, mas a série Marvel Studios acerta ao não ter medo de trazer a narrativa inovadora para dentro de uma franquia já bem estabelecida, provando que ainda há espaço para riscos.

Vivemos em uma era em que consumir qualquer tipo de entretenimento enquanto membro ativo de redes sociais faz com que uma opinião que poderia ser formada apenas por considerações próprias, acaba sendo afetada pelos constantes discursos de pessoas que “entendem do assunto”. “WandaVision” evocou opiniões desde o momento de seu anúncio, e raramente conseguiu fugir das caixas em que o público queria colocá-la. Como parte do Universo Cinematográfico da Marvel, muitos consideravam a obra apenas mais um capítulo de uma franquia que já produziu tantos filmes, com tanto sucesso, que não é vista mais como capaz de “arriscar”. Quando em seu início a série mostrou que tinha sim algo diferente a mostrar, foi classificada como chata, ou irrelevante. Quando em seu meio, mostrou que sim, faz parte do MCU, foi taxada de mais do mesmo. E em seu fim, o que “WandaVision” conquistou?

A série traz os retornos de Wanda Maximoff (Elizabeth Olsen) e Visão (Paul Bettany) vivendo como recém-casados depois dos eventos de “Vingadores: Ultimato”, o que é no mínimo peculiar, visto que o sintozoide morreu (duas vezes) em “Vingadores: Guerra Infinita”. Não só isso, o casal emula tropos de clássicas sitcoms americanas, começando nos anos 50, homenageando “The Dick Van Dyke Show”. A história progride evocando “A Feiticeira” e “The Brady Bunch” no segundo e terceiro episódios, respectivamente, e enquanto Wanda e Visão divertem o público com a comédia, vemos aos poucos que este não é um mundo perfeito, e algo estranho está acontecendo.

Os três primeiros episódios de “WandaVision” representam muito bem a experimentação que a viagem através das sitcoms propunha, e até este momento parecia que a série abriria aos poucos as brechas, e o público teria de embarcar na jornada para ir entendendo sem pressa o que está acontecendo. Vem então o episódio 4, perfeitamente intitulado Interrompemos Este Programa, trazendo uma abrupta pausa na história dos recém-casados e nos jogando no mundo do MCU. Novos personagens – ou melhor, personagens que já haviam aparecido antes como secundários ou terciários na história – são apresentados, todos encarregados de investigar o que está acontecendo em Westview, Nova Jersey, local onde Wanda e Visão moram enquanto estrelam a sitcom “WandaVision” (exibida também dentro da série).

Monica Rambeau (Teyonah Parris), Jimmy Woo (Randall Park), e Darcy Lewis (Kat Dennings) se unem para desvendar o mistério por trás da “anomalia Maximoff”, enquanto o diretor Tyler Hayward (Josh Stamberg), responsável pela mais recente organização de defesa do mundo, a S.W.O.R.D, parece ter fins mais egoístas – e destrutivos. Assim como seu título, o episódio 4 vem para interromper uma experiência que se mostrava intrigante e de fato algo diferente de tudo o que o MCU já havia feito. O capítulo também é extremamente explicativo, como servindo para garantir que a parte do público que não tinha interesse nas sitcoms permanecesse na jornada.

Mas a proposta não era essa? Colocar o casal incomum formado por Wanda e Visão em cenários clássicos tão conhecidos pela TV americana, para dentro disso abordar os traumas e principalmente o luto de Maximoff? A série foi sempre vendida dessa forma, e é de fato estranho que antes mesmo de sua metade a obra tenha que se explicar para aqueles que nem tiveram o interesse de embarcar em algo novo.

Mas “WandaVision” se recupera, pois nos episódios 5 e 6, nos anos 80 e 90 respectivamente, há um bom equilíbrio entre sitcoms e MCU, além de situações muito divertidas envolvendo uma aparição surpreendente e novos personagens adoráveis. Olsen e Bettany estão excelentes tanto na comédia quanto no drama e é gratificante poder conhecê-los mais, algo que os filmes nunca permitiram. Ambos estão em ótima companhia com Kathryn Hahn, que faz Agnes, a “vizinha intrometida”, e navega pela série com uma naturalidade e carisma sem tamanho.

Outro destaque é a trilha sonora de Christophe Beck, que não só emula os estilos de cada sitcom, como cria um lindíssimo tema próprio para Wanda, e outro para ela e Visão. O compositor também incorpora pedaços de outros temas do MCU em seu trabalho, de forma sutil e respeitosa. No setor musical, ele é acompanhado pelas canções originais de Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez, casal vencedor do Oscar por “Frozen” e “Viva – A Vida é Uma Festa”, que aqui compõem todas as aberturas da sitcom “WandaVision”, sem falar na música chiclete do episódio 7, que ainda não saiu da cabeça do público.

Idealizada pelo presidente da Marvel Studios, Kevin Feige, “WandaVision” inicialmente não seria a primeira produção lançada na Fase 4 do MCU, e nem seria a primeira série do estúdio a chegar ao Disney Plus. Mas o destino quis que esta fosse a obra de retorno da Marvel depois de um ano inteiro sem nenhum lançamento do estúdio, e de certa forma, isso foi uma vantagem. Junto à divertida metalinguagem usada com o modelo das sitcoms, em meio ao constante discurso sobre a “fadiga de super-heróis”, “WandaVision” faz bem em mostrar que além de seres com superpoderes, estes personagens sentem, sofrem, crescem, evoluem. Há muito para se explorar dentro deste gênero.

Todos os nove episódios de “WandaVision” foram muito bem dirigidos por Matt Shakman, com Jac Schaeffer como showrunner. Mas o destaque vai para Laura Donney, roteirista do melhor episódio da série, Nos Capítulos Anteriores, que entregou um dos melhores desenvolvimentos de personagem da franquia, e mostrou qual era o objetivo desta narrativa. Antes, Wanda era só uma jovem torturada que soltava bolinhas vermelhas pelas mãos, e finalmente tivemos a chance de ver o que havia por trás disso. Encontramos, então, uma força da natureza. Dentro do MCU, um ser complexo e poderoso, fora dele, uma atriz magnífica.

Havia muito potencial em “WandaVision”, sim. “Legion” provou o que uma narrativa inovadora poderia entregar no gênero de heróis – ou vilões – e, querendo ou não, a série Marvel Studios acabou caindo em alguns dos mesmos temas que a produção do FX abordou antes, e bem melhor. No entanto, “WandaVision” rejeita a ideia de ser uma “‘Legion’ mais fraca”, quando se coloca sem vergonhas como parte de um universo maior, algo de que sua antecessora sempre fugiu. Mesmo aquém de seu potencial, a série mostrou que ainda há espaço para riscos dentro do MCU, afinal, a franquia foi criada desta forma – pensar em “Homem de Ferro” hoje em dia como um sucesso óbvio, é ignorar o salto de fé que ele foi. “WandaVision” cumpre seu objetivo de preparar Wanda Maximoff para os futuros filmes, e ainda nos ensina lições sobre o amor e o luto. Mais uma vitória da Marvel… caso estejam contando.

Louise Alves
@louisemtm

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