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OPINIÃO   quarta-feira, 17 de março de 2021

Ted Lasso (1ª temporada, Apple TV+): otimismo e adversidades incomuns

Uma das grandes surpresas de 2020, a série estrelada por Jason Sudeikis surpreende por sua simplicidade e sua energia.

Em 2013, a emissora americana NBC Sports adquiriu os direitos de transmissão nos EUA de uma das principais ligas de futebol do mundo, a Premier League britânica. Promover o campeonato para um público que prefere a bola oval seria um desafio, então a emissora apelou para o humor e chamou o ator e humorista Jason Sudeikis para produzir uma série de esquetes sobre o tema. Foi quando surgiu Ted Lasso, técnico de futebol americano que se aventura na Premier League sem conhecer o esporte, e que simboliza as grandes dúvidas dos americanos sobre o esporte bretão. Nascia ali um sucesso.

Após o seu personagem passar anos como uma memória engraçada que habitava apenas alguns vídeos no Youtube, Sudeikis e os produtores Jeff Ingold, Liza Katzer e Bill Lawrence resolveram explorar Ted Lasso e as possibilidades que ele poderia abrir. Afinal, não é todo dia que se vê alguém topando uma mudança tão brusca de carreira, principalmente em vista do orgulho dos americanos de sua versão do football e seu desdém pelo soccer. O potencial era claro.

A série da AppleTV+Ted Lasso“, no entanto, vai muito além do personagem título e cria uma atmosfera própria, sabendo explorar o mundo do football britânico, da paixão pelo jogo às dinâmicas dentro e fora de campo. Mas, apesar da ambientação e da habilidade ao retratá-la, essa não é uma série sobre futebol. Futebol é momento, e para podermos chegar ao campo de jogo, antes é preciso compreender o que compõe o momento do time e quais as adversidades que ele enfrenta. O protagonista Ted Lasso, ao qual Jason Sudeikis deu vida frente e trás às câmeras de forma magistral, personifica isso.

Nos EUA, até mesmo o futebol americano universitário tem mais apelo que o soccer. Foi nessa divisão que Ted Lasso conquistou seu sucesso inicial como treinador, mas chamando mais atenção pela dança que fez no vestiário após uma conquista do que pelo nível técnico de seu time. Como tudo viraliza atualmente, a celebração de Lasso chegou até Londres e chamou atenção de Rebecca Welton (Hannah Waddingham), proprietária do clube fictício AFC Richmond, que disputa a Premier League britânica. Em Londres, até o menor dos times tem torcida e tradição, e o Richmond não é diferente.

Recém assumida como proprietária do Richmond, Welton tem seus próprios planos para o futuro do clube, e vê em Lasso a pessoa ideal para concretizá-los. O técnico, por sua vez, passa por um momento pessoal complicado apesar da conquista no futebol americano universitário, e vê no Richmond o lugar ideal para mudar de perspectiva. O futebol, no entanto, é um meio extremamente imediatista, onde qualquer filosofia de jogo enfrenta resistência a ser implementada. Torcida e a confiança do plantel são fatores determinantes para o sucesso, e os do AFC Richmond são tão exigentes quanto qualquer outro.

No time, os desafios de Ted Lasso incluem tornar o artilheiro marrento Jamie Tartt (Phil Dunster) um jogador de equipe, reacreditar jogadores e comissão técnica e transformar o medalhão Roy Kent (Brett Goldstein) no líder que ele precisa ser para salvar o Richmond do rebaixamento. Isso, claro, conciliando sua instável vida pessoal, a impaciência da torcida, a desconfiança da mídia e mais uma miríade de fatores extra campo.

O charme de “Ted Lasso”, no entanto, não está na fidelidade de seu retrato do cotidiano do futebol, mas em sua abordagem em relação ao esporte. Por mais diferentes que possam ser, Ted Lasso lida com o futebol americano e o nosso futebol de formas muito similares, pois compreende que há pontos comuns em ambos, da paixão da torcida ao laço de fraternidade entre os jogadores. Conceitos e fundamentos aperfeiçoam-se com a prática, mas uma mentalidade vencedora se constrói sobre alicerces que se fixam aos poucos.

O futebol, nesse sentido, é uma bela analogia para a vida, com cada jogo sendo muito mais do que apenas onze jogadores dentro de quatro linhas por noventa minutos, mas uma narrativa em si, a ser analisada, compreendida e, por fim superada. E a mensagem de “Ted Lasso” de otimismo frente às adversidades e de fortalecimento de comunidade para superá-la é a principal característica do grande acerto da produção. A mais sórdida pelada é de uma complexidade shakespeariana, já diria Nelson Rodrigues. E nas mãos de Ted Lasso, é possível contemplar beleza até na mais triste das tragédias dentro das quatro linhas.

Julio Bardini
@juliob09

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