Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 20 de fevereiro de 2021

Isolado na Pandemia (2020): oportunidade mal executada

Aproveitando-se do período de quarentena, o filme escrito por Matt Naylor e dirigido por Johnny Martin ganha repercussão, embora a premissa continue mais atraente que os resultados cinematográficos.

Não é coincidência que o sul-coreano “#Alive” e o americano “Isolado na Pandemia” sejam tão semelhantes. A premissa em comum de um jovem confinado em seu apartamento enquanto o mundo exterior é devastado por uma infecção descontrolada de zumbis foi pensada pelo roteirista Matt Naylor. Após a escrita do roteiro, os direitos foram vendidos para a versão asiática, que chegou ao Brasil antes da produção hollywoodiana. Nas mãos do diretor Johnny Martin (“Uma História de Vingança“), a versão estadunidense demonstra como uma direção distinta pode transformar o mesmo material base em resultados diferentes.

O ponto de partida segue essa proposta que dialoga com a quarentena iniciada em 2020 por todo o mundo em razão do coronavírus. Aidan (Tyler Posey) acorda em um dia e descobre que o mundo desmorona no caos por conta de uma pandemia que transforma as pessoas em mortos-vivos canibais. Ele precisa, então, ficar em seu apartamento racionando alimento e água para tentar sobreviver, sem saber o que aconteceu à sua família e permanecendo completamente sozinho.

Já nos primeiros minutos, ficam evidentes algumas diferenças na abordagem da trama pelos dois projetos. Se “#Alive” busca conciliar a ação de histórias de zumbis e o sufocamento de dezenas de dias em confinamento forçado, a versão de Hollywood ressalta o drama do isolamento ao apresentar o protagonista no quadragésimo segundo dia quase tomando uma decisão desesperada e, em seguida, recuando ao início de tudo. Durante um tempo considerável, a narrativa deixa de lado os ataques das criaturas e o gore daquela violência para retratar as ameaças cotidianas e as características da solidão: a necessidade de poupar e procurar recursos, a dependência maior em relação à tecnologia e os riscos à sanidade mental. Embora a obra não seja totalmente intimista, é interessante acompanhar como esses momentos traçam um paralelo com o distanciamento social como medida de segurança com certos custos.

Entretanto, a mudança parcial no tom não se sustenta por inteiro como um mérito. Afinal, para concentrar a narrativa num só personagem por muito tempo e explorar sua turbulência interior, seria necessário um ator mais expressivo para dar conta sozinho dos desafios emocionais daquelas situações. Por si só, Tyler Posey estampa sem sutilezas ou qualquer construção gradual o que sente através de reações de pura canastrice – por exemplo, na cena em que observa, da varanda, os ataques no térreo do prédio. Por outro lado, o roteiro não o ajuda ao limitá-lo a uma figura resumida por seus atributos físicos. Se no filme sul-coreano o protagonista era um adolescente gamer sem tantas habilidades de comunicação, aqui ele se transforma em um surfista, que acorda nu na cama ao lado de uma mulher no dia do apocalipse, e que, a todo instante, é levado a retirar a camisa.

Pensando por outra perspectiva, a decisão de dar mais espaço para o minimalismo do confinamento pode ser analisada pela percepção de que as sequências de ação são desorganizadas, e os infectados são mal concebidos. Na primeira vez que os zumbis são vistos, a precariedade dos efeitos visuais e a câmera indecisa do que enquadrar são os efeitos mais significativos; e no clímax do terceiro ato, a ação iniciada no térreo e concluída dentro do prédio ensina como confundir a geografia do local e o espectador, por tabela. Já na caracterização dos mortos-vivos, Johnny Martin não se decide se são seres irracionais movidos pelo desejo incontrolável de comer carne humana ou humanos presos e torturados pelos sintomas psíquicos da infecção – dessa indefinição, surgem criaturas que mal se tornam ameaças concretas visualmente parecidas ou evocativas de alguma concepção de zumbi.

À medida que a produção se desenvolve, ainda é possível identificar traços semelhantes a “#Alive”, como o compromisso de Aidan feito com os pais para ficar vivo, o vizinho invasor no início do apocalipse e os perigos de buscar alimento em apartamentos próximos. Porém, o que mais chama atenção são os acontecimentos aparentemente idênticos abordados de forma diferente. O diretor custa a estabelecer as relações entre os cenários, o que compromete a progressão de alguns aspectos da história e esvazia os impactos dos ruídos externos à moradia do protagonista (esse ponto também é prejudicado pela repetição sem variações dramáticas). E quando Aidan passa a interagir com outra personagem, a dinâmica do confinamento ganha mais camadas em torno da ideia de que todos nós precisamos criar laços, apesar desse vínculo começar problematicamente com uma postura de salvador.

Cada vez mais que “Isolado na Pandemia” se aproxima do desfecho, ficam perceptíveis as mudanças geradas por visões distintas de dois diretores sobre um mesmo roteiro. Hyunch-cho II pode não ter criado um filme ótimo, mas consegue propor uma experiência mais eficiente na combinação drama de isolamento e história de mortos-vivos. Já Johnny Martin acerta muito mais quando confere seu próprio olhar ao desenvolvimento das cenas (assim, o público se sente recompensado por não assistir exatamente à mesma trama). Simultaneamente, e para prejuízo de seu trabalho, as resoluções enfraquecem alguns personagens – Eva (Summer Spiro) se torna a mulher em perigo a ser salva – e momentos dramáticos – toda a sequência com Edward (Donald Sutherland) é explicada ao extremo. Assim, fica a sensação de que o cineasta vê o espectador como alguém que, por sequela da quarentena, precisa de tudo muito explícito e nada deixado para imaginar.

Ygor Pires
@YgorPiresM

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