Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 06 de fevereiro de 2021

Kevin (2021): íntimo e aconchegante

A diretora e roteirista Joana Oliveira viaja até Uganda para rever sua amiga, Kevin. O resultado é um belo filme sobre amizade e conexões que ultrapassam fronteiras.

*Filme exibido na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes

O longa da diretora Joana Oliveira tem sido categorizado como documentário por ter um caráter biográfico que se aproveita de material de arquivo pessoal e cenas que capturam momentos não ficcionais. Porém, “Kevin” é quase um metafilme no qual, ao se apropriar da narrativa real da vida da diretora e roteirista, há uma ideia subliminar de que estamos assistindo a um filme sendo feito diante de nossos olhos. Ainda assim, esse processo é feito de forma tão orgânica que pouco interessa em que caixinha deve se colocar esta obra.

Joana vai até Uganda visitar sua amiga de longa data, Kevin. A história se divide em três partes, começando a partir do olhar da cineasta, que recebe os cuidados de seu marido por uma razão que será revelada futuramente. Vemos a brasileira em seu ambiente de trabalho, conhecemos sua dinâmica familiar e os cuidados com o pai doente. A câmera passeia pelas ruas mostrando a brasilidade em movimento através do povo e suas cores, da rotina dos carros e pedestres, do pastel de feira, do ponto de ônibus, tudo isso pelo olhar melancólico de Joana, que aparenta um sentimento de vazio.

A inserção tardia do título marca a transição para a segunda parte, quando o protagonismo muda para a personagem-título. Kevin domina a tela com sua personalidade cativante. E somos apresentados desta vez às rotinas e dinâmicas familiares e profissionais dela, tal qual o ambiente em que vive, a comida, o trânsito, as feiras de rua… No entanto, o olhar permanece sendo de Joana, sentido não pela personagem, mas pela diretora que sabe exaltar tudo o que há de fantástico na amiga.

Estas configurações narrativas servem para que a terceira parte culmine na interconexão da história das duas, onde uma completará a outra até não ser possível delimitar quando começa Joana e termina Kevin. É quando se celebra o amor que uma sente pela outra e quando Kevin se torna, sem saber, uma agente transformadora da vida de Joana, não como uma ferramenta, mas como inspiração.

Nessa jornada, muito assuntos tratados em suas diferenças e semelhanças tocam cultura, raça e gênero, retratados sutil e naturalmente. A partir daí, belos diálogos sobre o papel que se espera de uma mulher na sociedade, maternidade e a percepção do racismo são criados. No entanto, o longa nunca deixa ser limitado por isso e tudo é tratado com sensibilidade e intimidade.

O aconchego das conversas entre as duas faz as horas serem sentidas como minutos. Tais atributos resultam em um caminhar sem medo de ser sincero. A riqueza da obra reside no fato de ser a história de uma amizade entre mulheres e, para além disso, entre duas pessoas de países, culturas e etnias distintas. A beleza não se resume ao que há diante das câmeras, pois o filme une países também por trás delas, com suas equipes técnicas. “Kevin” é um presente duplo: para Kevin Adwenko, uma demonstração pública de amor; e para os espectadores, o privilégio de testemunhar e fazer parte de uma história tão íntima das duas amigas.

Tayana Teister
@tayteister

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