Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Night Stalker: Tortura e Terror (Netflix, 2021): o bem vence o caos

Obra da Netflix apresenta a exaustiva busca de dois investigadores para capturar um assassino em série. Baseada em fatos, pode causar desconforto ao apresentar detalhes sobre as cenas do crime.

De acordo com a obra “Leviatã” do filósofo Thomas Hobbes, o homem é essencialmente mau e não queria se tornar um ser social — “O homem é o lobo do homem”, escreveu e popularizou o inglês. A humanidade, entretanto, já deu diversas provas de que é não é preciso nada em troca para ajudar o próximo e desejar o bem. O debate sobre a essência do assassino em série passa por essa discussão, independente de essas pessoas terem seus traumas ou não, causarem o caos e se esconderem. Como é possível então encontrar um serial killer que não possui um padrão ao escolher as suas vítimas e vive em busca da desordem? Essa pergunta foi feita diariamente pela polícia de Los Angeles em 1985, quando acontecia uma investigação para encontrar Richard Ramirez. Esse é o mote da série “Night Stalker: Tortura e Terror”, da Netflix.

A única similaridade em seus casos eram as disparidades: homicídio, estupro, sequestro e furto, usando armas, facas e cordas contra homens, mulheres, idosos e crianças. Qualquer pessoa poderia ser uma vítima do perseguidor noturno. Com a população com medo de sair de casa, a polícia designou os investigadores Gil Carrillo, ainda em começo de carreira na divisão de homicídios, e Frank Salerno, considerado uma celebridade pelos crimes resolvidos, para desvendar este mistério.

A produção baseada em fatos e dirigida por Tiller Russell (“Operação Odessa”) foi dividida em quatro episódios de cerca de 50 minutos cada para contar caso a caso os detalhes da investigação. Indicada para maiores de 18 anos, ela é explícita em relação aos crimes, portanto é preciso estômago forte para dar conta de tanta violência. A obra mostra fotos reais dos corpos com apenas alguns detalhes censurados, não esconde o sangue e reconstitui com muita precisão todas as cenas.

O diretor opta por iniciar a trama com um contexto da cidade na época, que havia sediado no ano anterior os Jogos Olímpicos e que respirava o glamour de Hollywood enquanto escondia debaixo dos tapetes o perigo das ruas mais afastadas. Com muitos depoimentos de vítimas que sobreviveram e a rica descrição dos policiais envolvidos, fica ainda mais impressionante e complicado de entender de onde saiu tanto ódio que habitava o corpo de Ramirez.

Ao mesmo tempo em que se aprofunda na vida e na carreira brilhante dos dois detetives, Russel desenvolve a persona do assassino, com todos os pontos medonhos que o envolviam: uma tatuagem de diabo na mão, um sorriso enorme com pouquíssimos dentes, olhos esbugalhados e sangue frio a ponto de sair caminhando pela porta da frente minutos após matar sua primeira vítima. Em cada episódio, são apresentadas falas do próprio criminoso, demonstrando plena consciência de que queria cometer todos os delitos. Mesmo assim, o diretor não impõe fascínio sob a figura do homem e não se estende sobre a sua história. Ao invés disso, demonstra o trabalho efetivo dos profissionais da lei e como a busca afetou o estilo de vida dos moradores.

A montagem é ágil e ajuda a ilustrar os depoimentos por meio de imagens adicionadas como flashes, acrescentando ainda mais detalhes com mapas que apontam os bairros em que ele atacou, cenas de telejornais e programas policiais da época. As pistas encontradas são apresentadas em um tipo de painel, sempre com muita transparência em relação aos dias em que os crimes foram cometidos, a identificação da vítima e sua respectiva idade.

O árduo trabalho dos investigadores e o pensamento rápido para conectar as evidências também recebem um merecido destaque. Em uma cena, por exemplo, o assassino deixa uma pegada com uma marca de tênis específica no jardim de uma vítima. Com essa informação, foram examinadas centenas de tipos de solas em lojas de toda a cidade. Em pouco tempo, os policiais conseguem encontrar não só a marca do tênis, mas também um balanço de quantas peças com aquelas características foram vendidas em Los Angeles. Este é apenas um dos vários exemplos impressionantes ao longo da série.

Os episódios, no entanto, seguem a mesma fórmula: a cada novo crime, a explicação de como o criminoso invadiu a residência e o depoimento dos envolvidos, passando assim para a próxima vítima. Essa repetição pode ser considerada cansativa para alguns espectadores.

Não é de hoje que a Netflix possui um excelente catálogo de séries documentais sobre crimes, como “Making a Murderer”, “Conversando com um Serial Killer: Ted Bundy” e mais recentemente até “Mistérios sem Solução” fez um relativo sucesso nas redes sociais. “Night Stalker”, no entanto, não liga para o rosto do assassino, não liga para as suas fãs e nem para as suas motivações. Richard Ramirez era uma pessoa horrível e é assim que deve ser retratado.

Trata-se de uma obra pesada e bastante imersiva, o que causa propositalmente um desconforto enorme para o espectador. Nada na ficção pode causar mais medo do que a percepção real de que alguém está escondido, te observando e desejando causar o pior. Saber que pessoas assim podem caminhar na mesma calçada que aqueles que desejam o bem é de fato bem assustador.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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