Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 07 de janeiro de 2021

Legado Explosivo (2020): bandido bom só quando for o Liam Neeson

O incansável Liam Neeson segue se divertindo no gênero de ação até mesmo quando o que está a sua volta não ajuda.

Atenção: este filme é um novo lançamento nos cinemas que já estão reabertos no Brasil. O Rapadura recomenda que todos consultem os protocolos de prevenção contra o coronavírus de seus cinemas favoritos para garantir sua segurança.

Certa vez Liam Neeson disse em entrevista que continuaria fazendo filmes de ação até o dia em que precisasse de um andador. Se mantiver o ritmo é bem capaz da profecia se cumprir. São 68 anos nas costas até o momento, mas o peso da terceira idade parece não tirar o fôlego e a destreza com que o irlandês de 1,93 m encara seus personagens. Emplacando quase que um filme atrás do outro num gênero que exige muito fisicamente, “O Passageiro” e “Vingança a Sangue Frio” estão entre os seus filmes mais recentes e o ator está de volta com um protagonista munido de habilidades específicas em “Legado Explosivo“. Desarmando minas e armando bombas, Neeson mais uma vez desempenha seu papel com a categoria pela qual é conhecido, fator determinante numa produção na qual o texto e os coadjuvantes não correspondem com a mesma intensidade.

A trama apresenta Tom (Neeson), um meticuloso ladrão de bancos que, após se apaixonar pela adorável Annie (Kate Walsh), decide negociar sua rendição com o FBI para começar uma nova vida. Só que as coisas saem do controle quando Tom é enganado pelos policiais corruptos John (Jai Courtney) e Ramon (Anthony Ramos), cuja ideia é se apropriar do dinheiro roubado dos bancos. Com uma penca de produções desse tipo na carreira e outras engatilhadas, a afinidade de Liam Neeson com o gênero dispensa comentários. Ajuda o fato de que o ator, desde quando estrelou o sucesso improvável “Busca Implacável“, se enfiou no verniz e conserva a carcaça que lhe dá plena credibilidade para desafiar o tempo. Soma-se à feição a competência de Neeson, que permite a ele reciclar tão bem seus personagens a ponto do público simpatizar com eles, mesmo com o sentimento de já tê-los visto anteriormente.

Em “Legado Explosivo”, o ator pode até passar a impressão de que ligou o piloto automático e colocou em prática aquilo que faz de melhor desde 2008. Porém, no conforto do papel de herói – ou anti-herói – Neeson encontra um novo lugar onde posicionar o seu protagonista. Ainda que esteja rodeado de clichês do gênero e alguns reaproveitados de seus próprios filmes, como a questão das ‘habilidades especiais’ que o tornam um pesadelo para os inimigos e frases que, reformuladas, lembram com carinho o agente Bryan Mills, sua interpretação é consistente, sóbria e surpreendentemente cativante. O tom de voz grave colabora com a construção da figura que almeja (e merece) redenção e até mesmo as frágeis motivações que o roteiro apresenta. Tanto aquela que o leva a praticar assalto a bancos, como a que o faz abandonar o crime, soam compreensíveis quando ditas por um humilde Liam Neeson.

Embora Neeson faça sua parte muito bem, o material que lhe foi dado e o elenco de apoio não estão em sintonia. O roteiro é escrito por Steve Allrich e Mark Williams, sendo este último um dos criadores da série “Ozark”. E se na série em questão a maioria de seus personagens revelam dramas densos, demonstram personalidades instigantes e várias razões para existir, aqui qualquer tipo de aprofundamento passa longe. O protagonista depende inteiramente da presença e do carisma de Neeson, enquanto o resto do elenco, que conta com os nomes conhecidos de Jai Courtney, Robert Patrick, Kate Walsh e Jeffrey Donovan, nada pode fazer com suas personalidades que sofrem por não terem… personalidade! Assim o longa vive do começo ao fim numa eterna gangorra, que alterna entre momentos divertidos e empolgantes, e sequências apagadas e corriqueiras que não condizem com a ação que deseja entregar.

Apesar da série de tropeços e a pouca inspiração do roteiro, o filme é executado sem grandes problemas. Michael P. Shawver faz valer a experiência adquirida em filmes como “Pantera Negra” e “Creed Nascido Para Lutar”, para conferir à montagem um bom dinamismo, com sequências de ação honestas e limpas que não ficam presas a infinitos cortes. A condução segura de Mark Williams acelera o processo e o filme acaba ganhando um sentido de urgência, senão admirável, ao menos bastante interessante. Ao final, “Legado Explosivo” é mais um filme de Liam Neeson, no qual a individualidade do calejado ator se sobressai e entretém sem muitas firulas. É bem provável que o espectador vai esquecer tudo que viu depois de algumas horas, mas assistir a um quase setentão desfilar vitalidade e entusiasmo com tamanha habilidade é uma dose de energia que supera qualquer barreira técnica ou argumentativa.

Renato Caliman
@renato_caliman

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