Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 05 de janeiro de 2021

Canvas (Netflix, 2020): enfrentando o vazio da perda

Produtor do curta oscarizado "Hair Love", Frank E. Abney III assina como diretor e roteirista deste curta de animação com uma história simples e dotada de muita sensibilidade.

Frank E. Abney III trabalhou como animador de diversos filmes grandes, majoritariamente na Pixar, como “Toy Story 4”, “Dois Irmãos” e “Soul”. Além disso, Abney é produtor executivo do curta vencedor de animação “Hair Love”. No entanto, é na Netflix que o artista estreia dirigindo e roteirizando seu próprio curta, “Canvas”.

Com apenas nove minutos, o filme apresenta a história de um pintor que se desconectou de sua arte após sofrer uma grande perda. Porém, essa realidade é confrontada diante das constantes visitas de sua neta. A trama é simples e dotada de sensibilidade. Se por um lado deixa de aprofundar seus temas, essa simplicidade é o que facilita a conexão com um público variado. Falando sobre luto, perda e esvaziamento, o filme acessa sentimentos que qualquer ser humano enfrentou ou teme enfrentar. Passando pelo ano de 2020, que infelizmente trouxe muitas perdas, conversar sobre esses vazios e como seguir apesar dele, tornou-se ainda mais importante.

Para aqueles cujo trabalho depende do criar, “Canvas” abre mais uma camada de significância. Em algum ponto, todo artista, escritor ou criador de conteúdo em geral já experimentou essa agonia – principalmente diante dos fatos recentes. Fazer sua arte quando dentro de si só há o vazio beira o impossível.

A animação na maior parte do filme é tridimensional, com estilo muito similar ao da Pixar. Ela conta com um impecável nível de detalhes, principalmente texturas, utilizando muito bem das cores, luzes e sombras para comunicar as emoções das cenas. Em um certo momento do filme, o estilo de animação muda para o bidimensional, evocando um estilo de desenho feito à mão que conversa com a narrativa.

Há de se pontuar também a importância de representar uma família negra como centro de uma história que foge de qualquer apresentação estereotipada. As personagens giram em uma trama que é capaz de refletir em qualquer pessoa, independente de etnia. É louvável que mais histórias etnicamente diversas não necessariamente abordem temas pesados.

Em paralelo ao curta “Mémorable”, indicado ao Oscar de 2020, a obra de Abney também retrata a efemeridade da vida diante da idade avançada. Enquanto no filme francês o protagonista, também pintor, enfrenta a perda de si mesmo – igualmente utilizando recursos visuais da animação para incorporar a arte da pintura na emoção da cena – aqui o processo da perda é sobre o outro, porém num viés de cura e reconexão.

Ainda que regada de beleza e ternura, a animação não entrega a plenitude do tema. A sensação residual é de ser rápido demais. Não pela duração em si, mas pela falta de etapas na construção da história, somado ao fato de que algumas cenas são muito similares entre elas, para causar o efeito de rotina. No entanto, Canvas” vale seus nove minutos, especialmente pela riqueza técnica em contraste com a simplicidade da história. Uma bela adição ao crescente catálogo de curtas da locadora vermelha e uma promessa de futuros grandes filmes para a carreira de Frank E. Abney III daqui para frente.

Tayana Teister
@tayteister

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