Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 22 de dezembro de 2020

A Ligação (Netflix, 2020): atendendo às altas expectativas

Estrelado por Park Shin-Hye e Jong-seo Jun, thriller mescla sua premissa interessante com uma execução genuinamente imaginativa e meticulosa.

O cinema sul-coreano vive um período frutífero, tendo em 2020 entrado para a história ao produzir o primeiro longa-metragem não falado em inglês a ganhar o Oscar de Melhor Filme graças à “Parasita” do diretor Bong Joon Ho. Em meio a este cenário de plena ascensão e altas expectativas, o suspense “A Ligação”, dirigido e roteirizado pelo estreante Chung-Hyun Lee, desponta como mais uma obra a evidenciar a proeminente qualidade da indústria de filmes sul-coreana.

Na trama, Seo-yeon (Park Shin-Hye) acaba de se mudar para a antiga casa de campo de sua família. Recém-chegada, encontra um telefone sem fio e passa a receber constantes ligações de Young-sook (Jong-seo Jun), uma garota da sua idade desesperada por ajuda. Seo-yeon decide então saber mais sobre sua nova amiga e descobre que ambas moram na mesma casa, porém, em épocas distintas. Consequentemente, não demora muito para que essa relação cause mudanças drásticas em suas vidas, influenciando tanto o passado quanto o presente e futuro.

Embora baseado em “The Caller”, filme britânico e portorriquenho de 2011, o roteiro de Chung-Hyun Lee adapta o enredo original de maneira bastante autoral, seguindo uma abordagem focada em seu núcleo feminino principal e seus traumas familiares. No entanto, apesar de todo o caráter intimista, a narrativa não se escora apenas nesse sentimento. Ela demonstra eficiência ao transitar do drama para o suspense, criando assim uma atmosfera instigante e imersiva, capaz de reter a atenção do público do início ao fim. Ainda que, eventualmente, possa desapontar alguns devido ao seu final, cuja virada pode soar um tanto quanto apelativa e anticlimática.

De forma gradual, a direção de Lee nos conduz rumo a uma empolgante disputa de gato e rato onde cada escolha impacta diretamente nos eventos que virão a seguir. Felizmente, a obra não perde tempo recorrendo a diálogos expositivos ou soluções clichês que surgem de última hora. Em vez disso, o diretor opta por não subestimar a audiência, fornecendo os elementos necessários para montar as peças do quebra-cabeça ou, simplesmente, acompanhar o desenrolar da trama.

Referente aos quesitos técnicos, vale a pena ressaltar o excelente trabalho do diretor de fotografia Jo Young-jik, capaz de transmitir com sutileza os sentimentos das personagens por meio de uma paleta de cores variada, fazendo uso de tons quentes para momentos alegres e frios para ciclos de tristeza. Além da iluminação que, constantemente, varia entre clara e escura nos momentos-chave. Em prol do conceito, tais escolhas não atendem meramente a padrões estéticos, servindo a um propósito narrativo maior, fazendo a história avançar. Além disso, os efeitos especiais também seguem essa linha, jamais soando piegas ou gratuitos.

As atrizes Park Shin-Hye e Jong-seo Jun entregam performances convincentes e multifacetadas. Especialmente Jun, cujo olhar e expressividade transmitem uma personalidade aparentemente ingênua, mas que quando confrontada revela seu lado mais perverso e insano. Já Shin-Hye, por sua vez, vive uma jovem fragilizada pela perda do pai e ressentida com a mãe que julga culpada pela tragédia. A boa química entre as atrizes rendem sequências angustiantes e memoráveis, capazes de tirar o sono, principalmente, no desfecho onde ambas estão, enfim, cara a cara.

Atendendo às altas expectativas geradas pela ascensão do cinema sul-coreano nos últimos anos, o suspense “A Ligação” adapta uma interessante premissa de forma extremamente competente e inspirada. Ainda que novato, o diretor Chung-Hyun Lee demonstra talento atrás das câmeras, uma vez que, independente do final meio controverso, sustenta uma narrativa inteiramente fluida, repleta de enquadramentos minuciosos e uma fotografia primorosa que aliada a boas atuações dão vida à obra.

Alan Fernandes
@alanfdes

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