Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 21 de dezembro de 2020

Beleza Negra – Uma Amizade Verdadeira (Disney Plus, 2020): adaptação preguiçosa e oca

Adaptação da clássica obra literária tem roteiro preguiçoso e falha em conquistar o espectador.

O livro “Beleza Negra” da autora Anna Sewell já ganhou inúmeras adaptações para mídias audiovisuais. Entre séries e filmes, existem pelo menos dez ao longo dos anos desde sua publicação em 1877. “Beleza Negra: Uma Amizade Verdadeira” é a primeira do século XXI e chegou ao Disney Plus em dezembro de 2020.

A trama gira em torno de uma égua selvagem, que se vê capturada e afastada de sua família. Cheia de revolta e indignação, nenhum funcionário do estábulo para onde foi levada consegue domá-la, nem mesmo o experiente e bondoso John (Iain Glen). Quando John recebe a notícia da morte repentina de sua irmã e seu cunhado, ele se vê sendo guardião legal da adolescente Jo (Mackenzie Foy). Perdida e lidando com o súbito luto, ela espelha os sentimentos da égua, e daí nasce a amizade entre a menina e o animal, a quem batiza de Beleza.

Essa história entre improváveis amigos vem emocionando gerações há mais de um século, ao mesmo tempo que promove debates sobre crueldade contra animais. Infelizmente, o filme do estúdio do Mickey não consegue criar um vínculo significativo entre suas protagonistas e, consequentemente, com sua plateia.

O longa tem a narração da égua (voz de Kate Winslet) ao longo de toda sua duração, e é a maneira com que o roteiro tenta levar o espectador para dentro da alma do animal. O grande problema, é que esse artifício é usado como uma muleta narrativa preguiçosa para absolutamente tudo que envolve sentimentos de qualquer outro personagem.

Se Jo está triste, a égua precisa dizer “Jo estava tão triste”; se John fica preocupado, ela precisa afirmar este fato. Parece que os atores foram contratados só para terem um rosto a quem o espectador associe nomes, porque suas emoções não são sentidas, apenas descritas por Beleza. É um roteiro que conta a história, mas não a mostra, não a ilustra, fazendo pouco uso da linguagem cinematográfica. O impacto emocional é o mesmo de se ler uma descrição da história na Wikipedia.

Se os atores fazem o possível para extrair algum sentimento do pobre texto, a direção não soube o que fazer para usar os animais para expressar emoções. Pouco foi explorado de linguagem corporal ou metáforas visuais que pudessem conectar o público com o coração de Beleza, resultando em ela ter que explicar, constantemente, como se sentia.

Há belos cenários naturais bem explorados pela câmera, mas isso não compensa um roteiro extremamente preguiçoso ao investir nas motivações e emoções de seus personagens. Ao depender de descrições faladas para explorar as camadas dos seres envolvidos, todos ficam distantes e resultam num filme emocionalmente oco.

“Beleza Negra: Uma Amizade Verdadeira” é mais uma obra que procura explorar as emoções que nascem quando um humano desenvolve um vínculo com um animal. É uma pena que uma história tão atemporal seja desperdiçada num filme que parece confiar que simplesmente relatar fatos é o bastante para que o público se emocione. Verdadeiras amizades precisam ser sentidas, não descritas.

Bruno Passos
@passosnerds

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