Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 04 de dezembro de 2020

O Som do Silêncio (Prime Video, 2019): uma aula de imersão sonora

Muito mais do que uma estreia promissora do diretor Darius Marder, obra é um laboratório sobre design de som.

Como cada pessoa interpreta o silêncio? Por meio da perspectiva religiosa, pode significar a paz interior, mas também pode representar a interrupção de comunicação, segredo, sigilo ou até solidão. Em seu primeiro longa-metragem, o diretor Darius Marder propõe uma imersão a este mundo de quietude. Trata-se de “O Som do Silêncio”, lançado pelo Amazon Prime Video.

O protagonista da história é Ruben (Riz Ahmed), um baterista que, aos poucos, percebe que está perdendo a audição. Ele tem um relacionamento duradouro com Lou (Olivia Cooke), vocalista e guitarrista de uma banda de metal. Os dois moram em um trailer e viajam pelo país realizando shows esporádicos para um público pequeno. Percebendo que os sons estão cada vez mais baixos e abafados, ele busca um atendimento médico e recebe a notícia de que perdeu cerca de 80% da audição e que a tendência é piorar.

Antes disso, Marder destaca detalhes auditivos que passam despercebidos em meio ao dia a dia, como o barulho do liquidificador, o pingo do café na máquina e a respiração ofegante ao fazer os exercícios. No dia seguinte, os barulhos de antes não reproduzem mais som. Com isso, Lou convence Ruben a ir para uma comunidade de surdos onde conhece Joe (Paul Raci), o líder local que perdeu a audição no Vietnã e que é responsável pela integração de cada novo membro. Entretanto, o baterista precisa ultrapassar uma barreira: terá que aprender a lidar com a surdez e não a corrigi-la. Cria do metal e de um mundo barulhento, ele precisa compactar toda essa energia para se comunicar apenas com gestos e expressões para enfim saber o que será da sua vida.

Com um trabalho excepcional de design e mixagem de som, o diretor entrega ao espectador uma sensação de ansiedade e de desespero, exatamente como Ruben se sente. O sentimento de desordem fica ainda maior quando ele participa de uma reunião apenas com pessoas surdas, tudo sem legenda. A tradução aparece na tela apenas quando o personagem começa a ter uma noção maior da linguagem de sinais.

O roteiro escrito pelo próprio diretor com o seu irmão Abraham Marder, também estreante em longas-metragens, apresenta logo de início como Ruben se apoia em Lou e vice-versa. Com cerca de duas horas de duração, há muito espaço para ver como o protagonista cresce e retrocede a cada aprendizado na comunidade. Por mais que o texto seja importante na construção dos personagens, o que mais chama a atenção na obra é a forte presença de Riz Ahmed e Olivia Cooke.

O personagem de Ahmed está sempre fechado e introspectivo, mas extravasa quando percebe que o caso é permanente. Porém, nenhum barulho soa mais alto do que o seu olhar perdido e a sua expressão quando está quieto, demonstrando o mais profundo desespero. Falando sobre Olivia Cooke, não é de hoje que a jovem atriz busca papéis que fogem da sua zona de conforto e, mais uma vez, demonstra uma maturidade de gente grande em meio aos seus 26 anos.

“O Som do Silêncio” propõe a ausência sonora como um enfrentamento, colocando um ex-viciado em heroína preso em seus pensamentos. Em uma jornada de amadurecimento, o diretor mostra que, se tratado corretamente, o silêncio pode chamar muito mais atenção do que qualquer grito estridente.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

Compartilhe