Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 24 de novembro de 2020

A Casa de Cecília (2015): introspectivo drama existencial adolescente

Estrelada por Carol Pita, esta produção retrata o cotidiano solitário de uma menina em casa à medida que seus pensamentos começam a afetar a sua percepção de realidade.

*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.

Algumas adolescências são marcadas pelo tédio de uma vida caseira, que só alimenta uma ânsia de começar a vida fora dos muros do lar ou pelo menos longe da vigilância dos pais. Cecília (Carol Pita) tem a oportunidade de aproveitar sua casa toda para si durante uma longa viagem do seu pai. O problema é que a própria companhia também desperta uma introspecção existencial de consequências imprevisíveis. Dirigido por Clarissa Appelt, “A Casa de Cecília” tenta retratar os conflitos internos de uma menina de 14 anos sozinha em casa.

Entre desenhos em aquarela, bichos de pelúcia e músicas de rock, Cecília passa dias só em uma grande residência de classe média. De vez em quando, a empregada da família vem para repor a comida com o piscineiro, que desperta os primeiros desejos sexuais da menina ao lado de uma vizinha que passeia com um cachorro todos os dias pela manhã. É possível que todo adolescente tenha o sonho de ficar sozinho em casa, comendo, bebendo e fazendo o que quiser. A diretora retrata esses momentos da protagonista a partir de composições simples, que não necessariamente despertam o voyeurismo no público. São singelos momentos da existência de qualquer adolescente como ela.

O silêncio da ausência de diálogos é quebrado com a visita dos funcionários, que entregam falas cruas, sem tratamento. Nem sempre as frases que funcionam em um meio literário, funcionam também na tela. Geralmente precisam de adaptação para a maneira normal de se falar e, quando isso não acontece, causa estranheza no espectador. A qualidade do diálogo melhora após a chegada da misteriosa vizinha, Lorena (Tainá Medina), que resolve compartilhar a residência com Cecília para passar um tempo fora da sua.

Acontece que as horas de Cecília não se dividem apenas entre tédio e curtição, pois há algo estranho na atmosfera construída pela diretora. Como a chegada de Lorena provoca uma interrupção na rotina da protagonista e logo a faz questionar seu modo de ver a vida, ela apresenta um contraponto de existência ambígua. Em outras palavras, não se sabe se a personagem da vizinha é real ou uma projeção da mente só e conflituosa de Cecília.

Quando Clarissa Appelt acrescenta toques de surrealismo no cenário, fica menos difícil defender a interpretação de Lorena como criação imaginária da própria Cecília, como forma de lidar com seus desejos e frustrações, além de testar suas convicções. Um tipo de voz única no texto permeia as falas das personagens e, à medida que o filme se desenvolve, isso faz com que a produção receba ares mais teatrais que cinematográficos, privilegiando monólogos e simplificando os elementos visuais.

A água surge na narrativa para representar algo que Cecília mantém escondido e não quer alcançar, mas que vaza e força a menina a se confrontar. Não se trata de nenhum grande mistério ou virada de roteiro que o filme constrói ao longo das cenas. É uma exposição da psique de uma menina, que como muitas outras começa a ver o mundo e a própria vida com a complexidade que chega com a maturidade. Assim, “A Casa de Cecília” é a construção de um simples conceito com alguns atributos visuais, mas primordialmente um veículo para os pensamentos introspectivos de uma adolescente em amadurecimento.

William Sousa
@williamsousa

Compartilhe