Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 24 de novembro de 2020

O Diabo Mora Aqui (2015): mescla original e brasileira

Esta produção nacional de terror independente realiza uma original mistura de elementos para entregar algo relativamente novo dentro de um gênero acostumado a se autorreferenciar.

*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.

Produzido por M. M. Izidoro, “O Diabo Mora Aqui” traz uma história de terror menos convencional que este título genérico aparenta. Misturando inspirações de lendas urbanas nacionais com uma ambientação que remete à história brasileira, há pelo menos três linhas narrativas convergindo numa noite aterrorizante em uma fazenda colonial.

No Brasil colônia, o Barão do Mel (Ivo Müller) pratica atrocidades contra seus escravos para controlá-los. Na atualidade, descendentes destes escravos precisam realizar rituais para impedir que uma maldição contra o malfeitor seja desfeita, e assim seu espírito seja libertado. E é claro, um grupo de jovens desavisados interferem no plano de conter o mal.

Vários elementos do terror são inseridos como ingredientes aos personagens. Alexandra (Mariana Cortines) luta contra questões mentais que a deixam suscetível a ouvir vozes e a se distanciar. Apolo (Pedro Carvalho) é o (ir)responsável pela casa que chama os inocentes amigos para ajudá-lo com o feitiço sem que eles saibam, incluindo sua paixão Maria Augusta (Clara Verdier). Em direção à casa nesta noite maldita, ainda estão Sebastião (Pedro Caetano), Luciano (Felipe Frazão) e um recém ressuscitado zumbi, comprometidos a impedir que o Barão do Mel volte ao plano dos vivos a qualquer custo. No centro da maldição ainda está um bebê, que motiva Apolo a libertar sua alma.

Nesta mistura de intenções entre os diversos personagens não estão só lendas provavelmente já ouvidas por alguém um dia, mas a ideia de que não existe uma linha clara entre o bem e o mal. De certo modo, o pentagrama tão associado ao ocultismo também pode representar graficamente como diversas forças contrárias não são exatamente diametralmente opostas. Em outras palavras, os personagens não se classificam simplesmente como do bem ou do mal.

Esta ausência de maniqueísmo claro ao lado das histórias incomuns e inspiradas pela cultura brasileira, que se afastam dos mitos do cristianismo comuns no terror, são aspectos que destacam a produção como uma ideia original dentro de um gênero marcado por remakes, reboots e “homenagens” (eufemismo encontrado para justificar imitações). Quanto à execução, a montagem e sua integração com a trilha sonora são pontos positivos, mas a conclusão é limitada pela intenção do roteiro em continuar complicando sua trama até o fim.

Não é fácil amarrar tantos elos de uma história sem furos ou protegendo a famosa suspensão da descrença do público por muito tempo. Assim sendo, o final é confuso e apresenta uma virada ainda mais bizarra que a soma de suas partes. No entanto, isso também não diminui a coragem da narrativa em tentar unir tantos elementos distintos num filme só. Mesmo sem ter um resultado primoroso, é louvável a intenção dos realizadores de tentar produzir algo original, mesmo através da mistura de elementos. Afinal, nada representa melhor a cultura brasileira como o resultado de uma boa mescla.

William Sousa
@williamsousa

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