Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Convenção das Bruxas (2020): grandes nomes também podem errar

Adaptação não consegue equilibrar seu tom, sofre com roteiro que apressa resoluções, atuações exageradamente caricatas e CGI de baixa qualidade.

Atenção: este filme é um novo lançamento nos cinemas que já estão reabertos no Brasil. O Rapadura recomenda que todos consultem os protocolos de prevenção contra o coronavírus de seus cinemas favoritos para garantir sua segurança.

O autor britânico Roald Dahl é responsável por inúmeros livros infantis marcantes que conquistaram gerações. A qualidade é tamanha que várias de suas obras já foram adaptadas para o cinema. Exemplos como “James e o Pêssego Gigante”, A Fantástica Fábrica de Chocolate” e “Matilda” ilustram a atmosfera de fantasia que ele conseguia trazer à vida e são provas de que seu material pode ser muito bem transposto para a sétima arte. Em 2020, uma segunda adaptação cinematográfica de um de seus romances chega às telas com um impressionante time criativo envolvido. “Convenção das Bruxas” tinha grande potencial, mas acaba sendo uma das releituras mais fracas dos trabalhos de Dahl.

O livro já havia recebido uma adaptação homônima 30 anos antes com Anjelica Huston, e Guillermo del Toro chegou a estar envolvido numa obra em stop motion, mas o projeto foi engavetado. Del Toro, entretanto, é um dos responsáveis pelo roteiro deste longa, que foi produzido por Alfonso Cuarón, dirigido por Robert Zemeckis (responsável por filmes magníficos, como “Forrest Gump” e “De Volta para o Futuro”) e com trilha composta por Alan Silvestri (dos temas de “Vingadores” e “Predador”). São nomes de peso que já se provaram ser artistas muito acima da média, criadores de sequências cinematográficas que marcaram gerações. É estarrecedor que um dream team como esse tenha resultado num filme tão enfadonho.

A trama gira em torno de um garoto (Jahzir Bruno) que fica órfão e vai morar com a avó (Octavia Spencer). Tudo narrado pela versão adulta do protagonista (voz de Chris Rock), e o tom inicial desta deixa claro que a intenção é a de fazer um filme de terror para crianças. O problema é que nunca se acerta o equilíbrio necessário, resultando num filme que pode ser um pouco aterrorizante demais para crianças pequenas e besta demais para as mais velhas.

Logo o garoto e a avó precisam fugir para um hotel para escapar de uma bruxa, mas mal contavam com o azar de terem ido para um onde uma convenção delas está para acontecer. Lá, as feiticeiras debatem sobre como detestam crianças e ouvem o plano da Grande Bruxa (Anne Hathaway) para transformar todas elas em ratos. A atriz é um espelho do problema de desequilíbrio do longa, ora cômica demais, ora assustadora demais – sem contar que na sua busca de uma atuação exagerada para transmitir comédia, consiga apenas ser caricata com uma voz difícil de entender.

Neste longa, a história é transferida da Inglaterra para o Alabama. O roteiro oferece uma amostra do que pode ser uma interessante subtrama sobre o racismo da região na década de 1960, mas é tão subdesenvolvido que dá pena. Aliás, apresentar elementos que não dão em nada no final é um problema grave aqui. A avó, por exemplo, tosse quando bruxas estão por perto, mas nem sempre e isso nunca é explicado ou explorado pelo texto para ter algum impacto na trama, apenas está lá. O arco do garoto Bruno (Codie-Lei Eastick) e seus negligentes pais tem uma resolução tão simplória e súbita que leva o espectador à conclusão de que era melhor ele nem estar no filme. Talvez essas falhas não chamassem tanta atenção se o desenvolvimento do arco do protagonista fosse decente, mas suas mudanças acontecem do mais absoluto nada e nunca se cria uma conexão com ele.

O longa ainda encontrou problemas na maneira com que retratou as mãos das bruxas. Com apenas três dedos, elas são descritas como garras e referenciadas como coisas horríveis, o que gerou certa indignação de pessoas que possuem a mesma característica e se ofenderam com a maneira com que foram representadas em tela. Há um debate sobre isso que divide opiniões, mas levou Anne Hathaway a se desculpar publicamente, o que, pelo menos, gera conversas que podem levar a aprendizados sobre respeito e tato na representação de características físicas diferentes em futuras obras.

Não que seja tudo ruim, há algumas sequências dignas de nota, com boa dose de “terror infantil” que acerta a proposta da obra, mas são raras lufadas de ar fresco num mar de marasmo e inconsistências. Zemeckis tenta, mas não consegue achar a dose de tensão que o momento pede.

Há vários efeitos especiais, mas o CGI não convence. De fracas texturas a uma mescla desconexa de atores reais reagindo a personagens gerados em computador, tudo dificulta a imersão no filme. Mistura-se a isso a direção oscilante que chega a mostrar uma cena onde pessoas praticamente decolam numa sala e se transformam, mas demora a causar alguma reação nos presentes, que parecem ver uma situação mágica e absurda como se alguém apenas tivesse deixado cair um copo no chão.

O filme tinha um time criativo invejável por trás das câmeras e nomes de peso em frente das mesmas. Infelizmente, todos parecem sem rumo e alguns até passam vergonha. O máximo que “Convenção das Bruxas” deve conseguir é fazer as pessoas irem atrás do longa de 1990 para ver se assistem algo melhor.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe