Cinema com Rapadura

OPINIÃO   segunda-feira, 16 de novembro de 2020

Black Is King (Disney Plus, 2020): rico festival de simbolismo e autoafirmação negra

Beyoncé se inspira na trama de "O Rei Leão" para produzir uma obra de visual riquíssimo que homenageia a História da população negra ao mesmo tempo que procura elevá-la e inspirá-la.

Após o remake em live action com CGI fotorrealístico “O Rei Leão”, Beyoncé trabalhou em um álbum chamado “The Lion King: The Gift”, que contém músicas inspiradas pelo filme incluindo a canção que ela canta no filme de Simba, “Spirit”. Inspirada por essas duas obras, a artista escreveu, produziu e dirigiu seu novo álbum visual “Black Is King”, que se vale da trama base do jovem príncipe manipulado e expulso de seu reino reencontrando seu propósito e voltando para clamar o que é seu por direito.

Esta nova empreitada de Beyoncé começa a ganhar camadas profundas quando se percebe que a jornada inspirada pelo clássico da Disney é usada como alegoria para as injustiças cometidas à população negra mundial, arrancada de seu lar e constantemente rebaixada e oprimida. Da mesma forma, é uma jornada de redescoberta de sua cultura, sua ancestralidade, assim lidando com o tema de identidade preta com um carinho e respeito dignos de admiração.

Por meio de narrações de falas de Mufasa e outros personagens de “O Rei Leão”, que intercalam as ricas sequências musicais, Beyoncé presta um belo tributo a negros e suas origens e heranças. Com um impressionante rol de artistas americanos e africanos (Yemi Alade, Jay-Z, Childish Gambino, Kelly Rowland, Naomi Campbell e vários outros), há canções com pesadas influências de rap e hip-hop, mas também números gospel cheios de vida que encantam os ouvidos.

Visualmente, o longa é deslumbrante e riquíssimo. Um vasto time de diretores de fotografia foi convocado e, mesmo com cada um trabalhando em sequências diferentes, o filme possui uma coesão narrativa visual que carrega o espectador ao mesmo tempo que inunda seus olhos com imagens não só belas, mas carregadas de simbolismo. Só se dedicando a estudar esta obra num trabalho de conclusão de curso ou mestrado para descobrir todos.

Os figurinos são um show à parte. De peças que engradecem personagens com seu visual de armadura imponente a outras que parecem fazer as pessoas voarem, eles são mais um elemento que transformam este filme em algo digno de ser presenciado. Um dos looks, aliás, é assinado por Loza Maléombho, estilista brasileira responsável pelas roupas de Beyoncé na sequência da música “Already”.

Neste festival de representação visual, Beyoncé brilha como a estrela que é, provando que sua fama vem de enorme talento e sensibilidade narrativa. As coreografias parecem incluir as formas com que os figurinos se movem e até os cenários fazem parte da dança, mesmo quando estão estáticos. É uma fantástica conquista imagética.

Muitos acharão o filme confuso em sua narrativa, mas basta usar a premissa da Jornada do Herói de Simba que tudo flui suavemente. Espectadores negros devem encontrar empoderamento e inspiração aqui que torna esta obra algo relevante e especial.

Em certo momento do filme, a voz de um jovem preto diz “sinto como não sou rei ainda, mas tenho potencial. Apenas não sei como navegar”. Esta frase resume a proposta de “Black Is King”: uma ode à cultura negra, com validação do sentimento de injustiça que a acomete após séculos de abuso, e uma esperançosa, empoderadora e inspiradora mensagem de elevação e autoafirmação. Beyoncé é uma artista à frente de seu tempo.

Bruno Passos
@passosnerds

Compartilhe

Saiba mais sobre