Cinema com Rapadura

OPINIÃO   terça-feira, 10 de novembro de 2020

O Caseiro (2016): mistério para explodir a mente e poupar emoções

Suspense investigativo dirigido por Julio Santi traz Bruno Garcia como um professor de psicologia chamado para investigar uma manifestação paranormal.

*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.

Quando um professor de psicologia do sobrenatural é atraído por um caso familiar é porque se trata de algo que a ciência não explica facilmente. Especialista sobre como traumas podem se manifestar na forma de situações paranormais, Davi (Bruno Garcia) é convidado por Renata (Malu Rodrigues) para ajudar a descobrir se os machucados que andam aparecendo em sua irmã caçula têm a ver com um antigo mistério envolvendo a família. Em “O Caseiro“, a investigação do protagonista em busca da verdade promete responder se a criança interage com fantasmas ou se a explicação jaz no mundo dos vivos.

Com uma estrutura semelhante a de um episódio de série procedural, em especial como “Arquivo X“, Davi é o personagem investigador com o objetivo de provar ou desmentir a existência de fantasmas. Como na antiga série da Fox, ora com o ceticismo da agente Scully, ora com a fé do agente Mulder, ele viaja para passar alguns dias na casa da família de Renata e assim observar de perto o caso. Em troca, ele só pede permissão para poder publicar os resultados.

Na grande casa isolada e à beira de um lago, a trama apresenta o pai de Renata, Rubens (Leopoldo Pacheco), sua tia Nora (Denise Weinberg) e as jovens Gabi (Victória Leister), Julia (Bianca Batista) e Lili (Annalara Prates). Também envolvido no caso está o padre José (Fabio Takeo), até porque nada no plano terrestre parece explicar o que vem acontecendo com a pequena Julia. A melhor suspeita é que as manifestações estejam relacionadas ao suicídio do antigo caseiro anos atrás, evento presenciado por Rubens quando criança. A partir da interação com essas figuras e com um conveniente ajudante na cidade, Davi inicia seu trabalho investigativo.

O realizador Julio Santi se preocupou em utilizar a fotografia para ajudar a criar um clima de depressão no filme. Afinal, a família também passou por uma tragédia recente, a morte da mãe das meninas em um acidente de carro. Esse evento pode estar relacionado tanto com o distanciamento de Julia quanto com um comportamento noturno suspeito de Rubens. O visual de desolação infelizmente fica demasiadamente impresso nos diálogos entre os personagens, que sofrem com um monótono peso de seriedade que só não é pior pelo esforço insistente da trilha sonora em pontuar as cenas.

O diretor também privilegiou o uso de estabilizadores de câmera para manter uma movimentação predominante, montando diferentes planos sem cortes e assim agilizando as gravações. Embora essa escolha tenha um efeito interessante na percepção do tempo e esteja alinhada com o clima fantasmagórico da história, seu intenso uso se torna repetitivo e pode cansar o espectador. Quanto à atmosfera, apesar de envolver possíveis aparições de espíritos, a trama foca na investigação, evitando criar cenas para provocar arrepios e sustos. Assim, a produção se encaixa melhor como filme de mistério e suspense que como de terror.

Como o público acompanha primordialmente os passos de Davi, o envolvimento no drama da família é limitado, logo não se sofre com a situação de seus membros. A sensação de risco também é comprometida: para o espectador importa mais se o professor concluirá sua investigação do que o que irá acontecer com os outros personagens. Existe o desenvolvimento de um enredo que precisa acontecer na mente da audiência para funcionar, mas é justamente pela história tomar forma na cabeça e não na pele ou no coração de quem vê, que o potencial da obra fica limitada.

As diversas pontas soltas encontradas durante a pesquisa do professor são ligadas rapidamente no ato final. Ele é confuso e enrolado, porém, responde o mistério do protagonista e entrega uma nova dimensão à história – daquelas que podem fazer alguém querer rever o filme sob outro ângulo. Com seu fim, “O Caseiro” se justifica e conclui como um exercício de gênero investigativo, que poderia ser policial se a profissão do protagonista fosse diferente. Deixa a desejar, no entanto, na execução do drama e do enredo sobrenatural, limitado pelas decisões de mise-en-scène a partir das quais pouco se sente as emoções dos personagens e os arrepios de um suspense psicológico.

William Sousa
@williamsousa

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