Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quinta-feira, 05 de novembro de 2020

Os Jovens Baumann (2018): found footage experimental difícil de digerir

A estética de vídeos encontrados levanta expectativas sobre este mistério brasileiro, mas sua proposta não está próxima às que este gênero de filmes costuma entregar.

*Filme disponível na Mostra MacaBRo de Horror Brasileiro Contemporâneo, evento com exibições online gratuitas através da plataforma de streaming Darkflix entre 28 de outubro a 23 de novembro de 2020.

1992. Os últimos herdeiros de uma prestigiosa família de Santa Rita d’Oeste, sul de Minas Gerais, desapareceram sem deixar vestígios. 2017. Uma caixa com fitas VHS é encontrada, contendo registros caseiros de seus últimos momentos, durante suas férias na fazenda da família. Através da compilação desses arquivos familiares, “Os Jovens Baumann” reorganiza os fragmentos de um mistério até hoje sem solução.” O que a sinopse oficial deste “filme encontrado” pode antecipar?

Primos herdeiros de uma família rica vivem seus derradeiros instantes isolados em férias e então desaparecem sem deixar vestígio. Até aí o texto não mente, mas se as imagens são pedaços de um enigma, nada pode ser dito sobre a solução. Como desserviço a esta obra de Bruna Carvalho Almeida, raras são as ficções do tipo found footage que não sejam de terror. Quando não são, elas ainda se encaixam nos gêneros próximos da fantasia, da ficção científica ou do thriller. E quando se afastam ainda mais do eixo eletrizante, acabam caindo melhor como forma de mocumentários de humor. A produção em questão não busca nenhuma dessas direções, logo a classificação de experimental.

Como um experimento, pode-se esperar decisões incomuns na montagem, brincadeiras com o tempo, um flerte com o surreal. A textura das imagens e o jogo de cena remete aos anos 1990, criando uma sensação fantasmagórica que seria mais difícil de outra forma. No entanto, com uma sinopse de mistério e o modo escolhido dos “vídeos encontrados” como linguagem, a decisão de não seguir ritos do gênero é fatal. Assim, o longa mira uma audiência específica fadada ao desapontamento.

Pelo que é, a narrativa se divide em cenas de diversão e calmaria em VHS de 1992 com registros recentes da fazenda para preencher a narração de uma personagem impactada pelo evento e que encontrou as tais fitas anos depois. Em repetição, a voz parecida com o tom de Petra Costa em “Democracia em Vertigem” reforça que “algo terrível aconteceu na fazenda”, que não há evidência para o “maior crime da história” além dos vídeos que ela encontrou, e que a família abastada dos Baumann entrou em decadência e nunca mais foi a mesma. Esta narradora convida o espectador para se aproximar da tela e investigar com ela o que poderia ter acontecido com os jovens em seus últimos momentos.

Lembrar que se trata de um mistério sem solução, como a própria sinopse não nega, não elimina a expectativa de encontrar algo ambíguo ou ao menos palpável nas imagens encontradas. Alguma coisa que vá atiçar a imaginação do público. No entanto, além da ambientação e algumas histórias contadas, não há nenhuma ação que mova a “trama” para frente, se é que há alguma. O filme não se preocupa em distinguir os personagens que mal precisam de nome próprio nem em disfarçar qualquer intenção por trás dos registros caseiros. Em certas passagens, especialmente próximas ao fim, a cinegrafista “esquece” que é uma personagem e passa a acompanhar a ação como uma diretora de filmes cuja presença é completamente ignorada pelos outros primos.

Neste final, algo mais próximo do que se encontraria no clima de um filme de terror é esboçado, mas carente de razões. Uma das cenas até beira maus-tratos injustificáveis de um animal. De certo modo, é como se a obra finalmente quisesse aproveitar a premissa para tentar criar um tico de tensão, mas sem ter construído qualquer conflito prévio que a sustente, nem querer levar a lugar nenhum.

Se a montagem e seu roteiro empurram “Os Jovens Baumann” para o cinema experimental, que talvez queira encontrar um diálogo resoluto entre passado e presente e discutir o que significaria o desaparecimento dos jovens, a narração e a estética alimentam uma expectativa inatingível levando em consideração o gênero trabalhado. Assim, a produção é melhor assistida com a mente aberta e por quem busque em si significados que talvez os realizadores nem tivessem intenção de obter.

William Sousa
@williamsousa

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