Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 28 de outubro de 2020

A Maldição da Mansão Bly (Netflix, 2020): sobre amor e fantasmas

Com menos sustos e mais drama, esta antologia da Netflix subverte algumas expectativas colocando o espectador em suspense agora por uma triste história de amor.

Mesmo com sucessos de crítica na bagagem, como “Hush: A Morte Ouve”, a sequência “Ouija: Origem do Mal” e “Jogo Perigoso”, foi com a série antológica “A Maldição da Residência Hill” (lançada em 2018 pela Netflix) que o realizador Mike Flanagan passou a ser visto como um dos diretores mais criativos do gênero de horror. O êxito, acompanhado da repercussão na mídia, levaram o diretor a um projeto audacioso: a continuação de “O Iluminado”, clássico de Stanley Kubrick. Apadrinhado pelo mestre do terror Stephen King, “Doutor Sono” teve um recepção morna da crítica e um fracasso retumbante nas bilheterias ao redor do mundo com um arrecadação de US$ 72,2 milhões. Com isso, o promissor cineasta voltou à Netflix com a estrutura episódica que o tornou conhecido, e colocou a carreira novamente nos trilhos, com a ótima “A Maldição da Mansão Bly”, uma tóxica e melancólica história de amor e fantasmas muito bem contada.

Idealizada por Flanagan, a série de nove episódios tem como base o livro “A Volta do Parafuso”, uma novela de espíritos escrita por Henry James em 1898. A trama gira em torno de Dani Clayton (Victoria Pedretti), uma jovem americana que vai até Londres para trabalhar como babá de um casal de crianças órfãs na afastada Mansão Bly. Como o próprio título da produção antecipa, há uma maldição no lugar, cuja origem vai sendo desvendada no decorrer da narrativa. Pensado como uma antologia, o seriado não é uma sequência direta de “A Maldição da Residência Hill”, portanto, não se faz necessário assistir a predecessora. Mesmo assim, ambas possuem semelhanças, a começar pela ambientação. Aqui, damos de cara com uma arquitetura bem parecida com a Residência Hill. Além disso, existem também cômodos proibidos e fantasmas espalhados pelos cantos, o que estimula inconscientemente uma brincadeira divertida de caça-fantasmas na busca por easter eggs.

Outro ponto semelhante está no retorno de muitos atores que trabalharam na temporada anterior. São eles Oliver Jackson-Cohen, Henry Thomas, Kate Siegel e Victoria Pedretti. Se antes da estreia isso gerava algumas dúvidas, logo nos dois primeiros episódios a decisão de trazê-los se mostra acertada, justamente pela competência de todos. Com ótimas atuações, eles fazem o público esquecer aqueles personagens marcantes que interpretaram tão recentemente, e assim comprarem os novos personagens que são entregues. Ainda assim, é possível fazer ressalvas em relação à protagonista vivida por Pedretti. Apesar de muito talentosa, em alguns momentos ela exagera nas caras e bocas, o que tira um pouco a atenção da história. Porém, aos poucos a atriz se confirma como uma figura fundamental para o gênero e tão requisitada pelo criador, pois ilustra bem sentimentos recorrentes como alívio, medo, angústia.

Em termos de atuação, também é importante destacar o elenco infantil. Amelie Bea Smith como Flora e Benjamin Evan Ainsworth como Miles exibem muita desenvoltura em seus respectivos papéis. É de se admirar que duas crianças, ainda em início de carreira, se adaptem tão bem a uma produção carregada emocionalmente e que apresente tantos espíritos, embora estes sejam ficcionais. Eles, junto com T’Nia Miller (a governanta Hannah Groose), Rahul Kohli (o cozinheiro Owen) e Amelia Eve (a jardineira Jamie), formam um elenco carismático e em plena sintonia. Todos têm seu espaço e um passado a ser explorado pela direção. Esta, antes sob o controle absoluto de Mike Flanagan, agora é delegada a várias pessoas, que de certa forma, mantêm a consistência dos episódios, apesar de não apresentarem momentos marcantes como aqueles vistos no quinto e sexto capítulos da temporada anterior, quando uma câmera inventiva e surpreendente surgia como mais um atrativo na construção da narrativa.

A respeito do estilo, a série continua a apostar no horror e nos sustos, mas em menor escala. Na verdade, o terror não está nos sustos – embora alguns jump scares sejam muito eficientes-, mas em tomadas mais abertas para tornar o público muitas vezes onisciente dos acontecimentos, sendo capaz de antecipar o destino dos personagens e visualizar os fantasmas que habitam o local. Esse tipo de decisão, que abdica de sustos fáceis e investe na construção gradativa do medo, tem potencial para despertar uma angústia profunda e uma sensação de mal estar em muitos momentos. Entregando o medo, mas priorizando um drama mais pesado, “A Maldição da Mansão Bly” tem sim algumas derrapadas ao optar por resoluções simples. Mesmo assim, não deixa de ser aflitiva e envolvente ao buscar fugir do convencional para impactar (vide o final que vai contrariar expectativas). Uma produção esteticamente impecável, com atuações persuasivas, calmamente desenvolvida e que deixará o público inquieto, ansiando por mais.

Renato Caliman
@renato_caliman

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