Cinema com Rapadura

OPINIÃO   quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Rebecca – A Mulher Inesquecível (Netflix, 2020): entre um bom romance e um fraco thriller

Ben Wheatley cria adaptação respeitosa e atualizada, mas perde muito ao deixar o suspense e o terror psicológico como segundo plano.

Adaptar um clássico nunca é fácil, ainda mais uma obra que já foi trabalhada por Alfred Hitchcock e que já ganhou um Oscar de Melhor Filme. Para atualizar a história escrita por Daphne du Maurier em 1938, o diretor Ben Wheatley (“Free Fire: O Tiroteio”) teve que se reinventar para o desenvolvimento de “Rebecca – A Mulher Inesquecível”, disponível na Netflix.

O longa-metragem gira em torno de uma jovem de origem humilde, chamada apenas de Sra. de Winter (Lily James), que se casa com Maxim de Winter (Armie Hammer), rico proprietário da mansão Manderley. Morando no local, a jovem passa a viver às sombras de Rebecca, a falecida esposa de Maxim, considerada perfeita por todos os funcionários, principalmente pela Sra. Danvers (Kristin Scott Thomas), a governanta da casa que ainda tem uma afeição grande pela mulher e demonstra não facilitar a vida da garota.

O primeiro ato inteiro é reservado para apresentar o romance entre o casal em um verão em Monte Carlo, incluindo idas à praia, jantares e recados – neste caso, tudo é bem orgânico e feito de maneira singela. Em meio a isso, a solidão dos personagens é demonstrada por meio de perspectivas diferentes: a Sra. de Winter foi obrigada a viver sozinha após a morte dos pais e Maxim perdeu recentemente o amor da sua vida. Se por um lado, ela fala abertamente sobre a sua busca por independência, por outro, ele ainda fica desconfortável quando lembra da ex-mulher. A primeira meia hora é marcada também pela fotografia de Laurie Rose (da série “Peaky Blinders”), que utiliza cores bem saturadas para mostrar como aquele período foi como um sonho para a protagonista, que deixou de ser uma dama de companhia para viver no luxo da mansão.

O roteiro, desenvolvido por Jane Goldman (“Kingsman: O Círculo Dourado”), Joe Shrapnel e Anna Waterhouse (ambos de “Seberg Contra Todos”), tem inconsistências bem evidentes. A partir do segundo ato, fica recorrente a mesma estrutura: a protagonista busca mais informações sobre Rebecca com os funcionários, que contam como a mulher era insuperável, a única que domava os cavalos, a mais bela do mundo e que tinha sensibilidade ímpar sobre artes e gastronomia. Com isso, a jovem fica cada vez mais frustrada ao não atingir o patamar da mulher.

O diretor tenta colocar um pé no horror psicológico, mas fica apenas na superfície. Chega no máximo a criar um suspense em torno da personalidade de Rebecca, que é desconstruída aos poucos nos diálogos dos outros personagens. Com um ritmo lento, as cerca de duas horas de filme acabam parecendo muito mais longas do que o necessário e mesmo guardando muita informação para uma grande revelação, o terceiro ato é morno e não empolga. As atuações de Lily James e Armie Hammer sustentam muito bem toda a parte dramática, seus personagens demonstram interesse um pelo outro, ao mesmo tempo em que estão quebrados emocionalmente e continuam guardando segredos.

Apenas para demonstrar como a visão dos diretores podem influenciar a maneira em que a história é contada, é válida a comparação: a versão de Alfred Hitchcock era mais claustrofóbica e tinha um enfoque maior no psicológico dos personagens, enquanto o longa-metragem atual tem uma carga dramática menor, mas trabalha muito bem o romance inicial e seu desenrolar. Em “Rebecca – A Mulher Inesquecível”, Ben Wheatley não tenta emular o mestre do suspense em nenhum momento e isso é excelente.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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