Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 18 de outubro de 2020

Ventos da Liberdade (2018): a infantilizada divisão da Alemanha

Longa de Michael Bully Herbig reconta uma das fugas mais ousadas e improváveis da história sob um olhar que, sem querer, simplifica o conflito a uma aventura da Sessão da Tarde sem ter um verdadeiro propósito.

Tempos desesperadores levam o ser humano a cometer atos desesperados. Em 1979, dez anos antes da queda do muro construído em Berlim que dividiu a Alemanha, uma fuga inusitada e quase impossível ocorreu. O mecânico Hans Strelczyk e o pedreiro Gunter Wetzel construíram um motor de balão de ar quente enquanto suas esposas costuraram o balão em si com pedaços de tecido e lona. Assim, os dois casais e seus respectivos filhos conseguiram sair de Thüringer, na Alemanha Oriental, e atravessar o muro rigidamente vigiado e protegido voando a 2 mil metros de altura. E foi justamente este feito tão impressionante que inspirou o cineasta, roteirista, ator e comediante Michael “Bully” Herbig a escrever e dirigir “Ventos da Liberdade”.

O filme tenta reproduzir a fuga das famílias Strelczyk e Wetzel para a Alemanha Ocidental em plena Guerra Fria, para escapar não só dos vizinhos enxeridos e hipócritas, mas principalmente dos agentes da Stasi, principal organização de polícia secreta e inteligência do Estado. Para tal, Herbig opta por mesclar a comédia a qual está acostumado a trabalhar com um pouco dos suspenses de espionagem que vez ou outra usam este exato contexto histórico como pano de fundo. O problema, no entanto, é a forma com que o diretor e roteirista utiliza as convenções de cada um para dar forma ao seu filme.

Em “Ventos da Liberdade”, constantemente há a impressão de que você deveria saber previamente quais as opressões em vigor na Alemanha Oriental. Fala-se muito sobre como as famílias não veem a hora de mudar de vida e conquistar a verdadeira liberdade, mas o ar opressor só entra em cena na investigação. Nunca se fala o que, exatamente, acontecia com quem tentasse ter contato com o mundo além da fronteira, ou acesso às coisas “do lado de lá” – você só precisa se convencer de que lá era muito ruim mesmo e todos queriam secretamente fugir. Inclusive, em alguns momentos as motivações de fuga soam como se uma criança estivesse escrevendo uma redação escolar sobre como era viver na Alemanha durante a Guerra Fria. O fato de que ninguém podia assistir a programas de TV norte-americanos se torna quase uma questão de honra em alguns momentos.

O longa também sofre de momentos em que Herbig não sabe se deveria apelar ao cômico (sua zona de conforto) ou mergulhar de cabeça no suspense e na tensão da trama de espionagem, o que dá a impressão de que se faz um grande malabarismo com as emoções de seus personagens. Ainda assim, o público já sabe o que está por vir – não por ter conhecimento prévio da história original, mas porque “Ventos da Liberdade” é conduzido o tempo todo por uma estrutura narrativa tão padronizada de longas baseados em fatos que se contentam em trabalhar os acontecimentos de forma cronológica e sem intervenções que poderiam tirar a obra do lugar-comum.

Filme algum precisa ser totalmente explicativo, muito menos ele tem o dever de ser uma aula de história para quem o assiste. Porém, a conexão que um longa consegue estabelecer com seu público vai muito além do mero interesse na sinopse (que, aqui, é deveras interessante). Se Herbig não tratasse os acontecimentos de “Ventos da Liberdade” de forma tão dispersa e às vezes até mesmo infantil, a obra teria uma vasta seara para explorar, desde os atos do governo autoritário da Alemanha Oriental que levaram as famílias Strelczyk e Wetzel a arriscar a própria vida para atravessar a fronteira num balão, até mesmo apelar para a zona de conforto do cineasta na comédia e mostrar quão absurdo era um plano deste dar certo (e não oscilar de forma inconsistente com momentos até dignos de terror). O filme, inclusive, fica muito mais interessante ao acompanhar todas as manobras que os Strelczyk fizeram para costurar o balão.

Apesar de atuações dedicadas e momentos de verdadeiro entretenimento, “Ventos da Liberdade” simplifica seu conflito inicial a uma aventura da Sessão da Tarde sem ter uma motivação que mantenha a curiosidade inicial gerada por sua premissa.

Jacqueline Elise
@jacquelinelise

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