Cinema com Rapadura

OPINIÃO   domingo, 11 de outubro de 2020

#RapaduraRecomenda – Escola de Rock (2003): a força libertadora da arte e da educação

O que aparenta ser uma simples comédia sobre um professor falastrão se revela uma obra carismática sobre a importância da arte e da educação na formação e validação do indivíduo.

Dewey Finn (Jack Black) é um devoto do rock n’ roll. Recém expulso de uma banda que o considera exagerado demais, ele não tem dinheiro para pagar sua parte do aluguel com o companheiro de quarto Ned (Mike White – também roteirista do longa). Pressionado, ele um dia atende o telefone destinado para o professor substituto com quem divide o apartamento e, mediante o pagamento prometido pela escola, decide personificá-lo. Assim nasce a “Escola de Rock”.

O longa parece que vai seguir na linha do professor incapaz e rude que acaba sendo conquistado pelos alunos, e Black serve muito bem para este tipo de papel. Com sua energia caótica de quem não quer levar nada a sério, logo faz crer que a aparente premissa funcionará, mas aí, o roteiro pega o espectador de surpresa e vai além. Ao presenciar seus alunos numa aula de música e percebendo o talento musical de alguns deles, Finn inventa um “projeto escolar secreto” chamado… banda de rock. A ideia é treinar as crianças para que possam competir no torneio Batalha das Bandas e, assim, usar o dinheiro do prêmio para pagar suas dívidas.

Ao reconhecer os talentos em cada aluno – e não são só relacionados a música – o protagonista assume, de fato, o papel de um professor e acaba por dar vozes às crianças. Um ótimo exemplo é a cena em que ele forma a banda em si, tudo na composição desta sequência é um atestado à qualidade do diretor Richard Linklater, que faz a câmera passear pelos personagens, adaptando o tom para a individualidade de cada aluno até que algo coeso seja formado. É uma ótima representação visual do que é criar um senso de comunidade contagiante.

Finn pode estar com motivos escusos, mas sua paixão pela matéria que ensina empolga qualquer um. Black esbanja amor pelo mesmo tema e seu carisma irradia e conquista os alunos. No processo de formar uma banda, ele acaba usando a música como uma força empoderadora. Ao invés do sistema de prêmios e punição proposto pela escola, ele usa de críticas sempre construtivas para que cada um melhore no que faz e essa equação resulta numa relação de confiança que nasce entre ele e os alunos.

É este elemento que transforma o filme em algo realmente precioso, que vai além de uma simples comédia sobre um professor inicialmente desajustado. É uma baita homenagem ao rock não por discorrer sobre a história deste estilo e os grandes nomes que fizeram fama, mas por mostrar, por meio deste estilo musical, que a arte e a educação são forças libertadoras. Finn ensina a seus alunos muito mais do que grandes canções e artistas, mas os leva a questionar o sistema que tenta controlá-los e colocá-los num molde que acaba por podar e sufocar suas características únicas.

As aulas vão além de algumas crianças treinando instrumentos e ensaiando. Há alunos trabalhando como estilistas, seguranças, aprendendo tecnologia de som e luzes, e até a prodígio Summer (Miranda Cosgrove, a Carly da série “iCarly”), que se revela extremamente apta para o mundo dos negócios. Todos têm uma função. Todos importam. A química entre Black e as crianças é notável. Mesmo com muitos ali que não haviam atuado antes, o ator fez todos se sentirem confortáveis. Cenas como a que ele fala de seu próprio peso para tranquilizar uma aluna, e outra em que conversa com um aluno muito inseguro sobre seu valor na banda são palpáveis, críveis, bonitas e engraçadas.

Há ainda a diretora da escola, interpretada pela ótima Joan Cusack. Ao invés de ser apenas uma figura autoritária unidimensional para ser o alvo-metáfora dos alunos contra o sistema que os oprimem, o roteiro explora como seu emprego é carregado de estresse e expectativas impossíveis, apagando muito da paixão que a própria tinha em relação à vida. Seu cargo é um espelho do resultado esperado da escola que funciona como uma fábrica de adultos trabalhadores idênticos e robóticos, e reforça a necessidade e a relevância de se investir nos talentos de cada um – ilustrando também que o sistema educacional da maior parte do mundo precisa de uma reformulação urgente.

É uma comédia adorável, cheia de energia e ótimas músicas, mas que brilha de verdade ao mostrar o valor educativo de investir nas habilidades individuais dos alunos, para que todos trabalhem juntos rumo a um objetivo em comum. Acompanhar a jornada do egoísta Finn percebendo que não é sobre o fim, mas sobre ajudar as crianças a crescerem como indivíduos prova que “Escola de Rock” tem muito a ensinar para pais e mães mundo afora.

Bruno Passos
@passosnerds

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