Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 09 de outubro de 2020

A Escolhida (2020): um bom plot twist não é suficiente

Obra protagonizada por Janelle Monáe discute o racismo intrínseco na sociedade por meio de montagem e roteiro duvidosos.

Os Estados Confederados da América foram uma união política formada em fevereiro de 1861 com o intuito de “preservar culturas e tradições” e manter a escravidão. Somente em 1865, foi oficializada a Décima Terceira Emenda à Constituição americana, abolindo, pelo menos na teoria, a escravidão em todo o território dos Estados Unidos. O racismo do regime escravocrata, no entanto, ainda é um temor para os negros e isso nunca mudou. Partindo deste ponto, surgiu “A Escolhida”, estreia dos diretores Gerard Bush e Christopher Renz.

É preciso destacar por antecipação que se trata de um longa-metragem que é preciso ser visto com zero conhecimento prévio. É difícil citar até a sinopse sem tocar em algum tipo de spoiler, pois o próprio trailer da obra apresenta situações que não deveriam ser mostradas. O que dá para contar é que o filme é protagonizado por Veronica Henley (Janelle Monáe), uma autora famosa que fica presa em realidades distintas e precisa buscar uma saída.

A dupla de diretores, que também é responsável pelo roteiro, divide a história em três arcos distintos. A proposta é confundir o espectador quanto à linha temporal, criando um contexto para um plot twist. O maior problema está na montagem – os três atos são desenvolvidos como duas introduções e um encerramento. Enquanto os primeiros 20 minutos são primorosos, mostrando a vida dos negros que eram escravizados em uma fazenda de plantação de algodão, o segundo ato entra numa espiral de marasmo. Não há terror, a não ser aquela sensação permanente de que tem algo errado acontecendo.

Falta um recheio entre os atos, o que resulta em um grande espaço vazio em meio à história. Sem contar que o desenrolar após o grande plot twist acontece de maneira desnecessariamente apressada, deixando de lado todo o plano de fundo construído para Veronica para um fim catártico com execução duvidosa.

Os diretores guardam tantas informações para o fim que deixam de aprofundar a história de qualquer outro personagem que não seja Veronica. Entretanto, é compreensível que não era possível falar mais sobre cada um, pois essa explicação já se tornaria um spoiler. Ou seja, a forma em que o roteiro foi desenvolvido criou uma situação de xeque-mate: um vazio no roteiro em prol do choque do plot twist. Acontece que nem isso é bem feito, pois quando a revelação está para ser anunciada, algumas dicas já apresentam o que será mostrado, estragando a surpresa que demorou tanto para ser montada. E o pior, a proposta nem é inovadora.

“A Escolhida” tinha um grande potencial, mas fica a impressão de que o roteiro ainda precisava ficar mais enxuto e coeso para não dar uma rasteira na própria história. Buscando tantas inspirações em “Corra” e em “Nós”, os diretores Bush e Renz deixaram de desenvolver melhor o próprio texto. Se a proposta era criar um filme no estilo do Jordan Peele, melhor recorrer às obras originais.

Fábio Rossini
@FabioRossinii

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