Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 26 de setembro de 2020

O Farol das Orcas (Netflix, 2016): belo conto sobre paciência e autismo

Belíssima fotografia e exuberantes paisagens são os cenários para uma trama baseada em história real sobre o poder do carinho e da natureza no ser humano.

Roberto Bubas, ou Beto, como prefere ser chamado, é um biólogo e guarda-faunas argentino que, por anos, foi responsável por um posto no extremo sul da patagônia, onde orcas apareciam para caçar leões-marinhos. Ao longo do tempo, Beto acabou desenvolvendo um laço com os grandes animais, que acabou chamando a atenção da imprensa. O fato originou um documentário da National Geographic e também um livro intitulado “Agustín Corazón Abierto”, escrito pelo próprio biólogo, que se tornou a base para que o longa “O Farol das Orcas” fosse realizado.

Chegando para o público brasileiro por meio da Netflix, a trama mostra a vida de Beto (Joaquín Furriel) em sua isolada moradia onde conduz seus estudos e mantém um relacionamento de confiança com as orcas do local, especialmente uma chamada Shaka. O tal documentário foi assistido pela espanhola Lola (Maribel Verdú), mãe do menino autista Tristán (Joaquín Rapalini), que presenciou o filho demonstrando sinais de emoções pela primeira vez em muito tempo. Desesperada para ajudá-lo como podia, aparece de surpresa na casa do protagonista.

Conforme a relação entre o trio vai se desenrolando, o espectador é brindado com imagens belíssimas, frutos da exuberante natureza local e da fotografia de Óscar Durán, que abre os planos sem a menor hesitação e não só presenteia os olhos com a beleza do local, como enfatiza o isolamento onde os personagens se encontram, mas o faz com uma suavidade que resulta nesse afastamento da civilização entregando uma sensação de paz e conforto.

Após um relutante início, Beto recebe a família de braços abertos. O biólogo adquiriu enorme paciência após tantos anos aprendendo a se relacionar com as orcas, e usa suas habilidades para ajudar Tristán a se conectar com a natureza e com o próprio. Ao mesmo tempo, Beto e Lola inevitavelmente se aproximam mediante genuíno e recíproco respeito.

Entretanto, o roteiro se atropela um pouco nesta última relação. O romance é apressado e, por vezes, é quase que literalmente o príncipe chegando no cavalo branco para salvar a donzela. Há uma subtrama sobre Beto perder o emprego que resulta num coadjuvante caricato e se prova apenas um artifício narrativo simplório e preguiçoso.

Apesar disso, o elenco é de alta qualidade. Furriel deixa um carinho tão verdadeiro sair de sua voz quando fala com as orcas que conquista imediatamente. Verdú constantemente transborda amor e preocupação pelo filho, que é interpretado com maestria pelo jovem Rapalini, que tem êxito em trazer emoção à cena quando seu personagem reage ao ambiente a sua volta. É uma pena que este longa trouxe uma fama inesperada e indesejada ao verdadeiro Beto, que resultou em ciúmes na sua área de trabalho e acabou transferido para trabalhar em outro lugar, onde não há orcas, o que não faz o menor sentido dada sua experiência.

“O Farol das Orcas” é uma bela obra sobre o poder da natureza nos seres humanos e trata do autismo com o respeito que a situação merece, deixando claro que não é uma doença que pode ser curada, mas sim uma condição neurológica que requer abordagens específicas que podem, sim, trazer melhorias de vida para os autistas. O final pouco satisfatório deixa muitas perguntas no ar. É debatível se elas precisam de respostas ou não, mas é fato que incomodará alguns espectadores, mesmo não diminuindo a experiência como um todo. Ao subir os créditos, a mensagem da importância da paciência mesclada com dedicação e carinho e seu resultado positivo nos outros não falha em emocionar.

Bruno Passos
@passosnerds

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