Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O Jardim Secreto (2020): metáforas inconsistentes

Adaptação acerta em alguns elementos metafóricos visuais, mas escorrega numa narrativa descompassada.

Lançado em 1911, o livro escrito por Frances Hodgson Burnett teve adaptações para o cinema em 1919, 1949, 1993 e 2020. “O Jardim Secreto” conta a história de Mary Lennox (na boa interpretação de Dixie Egerickx), uma menina de 10 anos bastante mimada e deixada de lado pelos pais devido a motivos que vão sendo explorados conforme o longa se desenvolve.

Após um breve prólogo na Índia de 1947, onde conhecemos a protagonista, que logo perde os pais de maneira trágica e súbita, sendo enviada para morar com o tio Archibald Craven (Colin Firth, soturno, mas com pouquíssimo tempo de tela) em sua grande mansão no interior da Inglaterra.

A linguagem visual do longa começa, então, a mostrar a que veio. O local é sombrio, cinza, escuro e tudo a seu respeito remete a algo sem vida, desprovido de qualquer sentimento positivo. Lá Mary conhece a Sra. Medlock (Julie Walters, assertiva e severa), que basicamente rege o lugar seguindo as ordens de Craven. Pelos poucos relances do tio, percebe-se que ele é um homem perturbado e consumido pelo luto. A fotografia de Lol Crawley é certeira em enfatizar a depressão que consome o local e aqueles que nele habitam, e é ainda mais impressionante quando a protagonista encontra o jardim do título.

Suntuoso, brilhante, cheio das mais diversas plantas e flores, o local explode com vida. Lacrado há anos por motivos explorados pela trama, é uma linda visão que faz ótimo contraste com os ambientes interiores, e é por meio deste lugar, literalmente mágico, que as coisas podem mudar.

Entretanto, a inclusão de real magia é um dos elementos confusos do longa. O roteiro não decide se a trata como algo figurativo ou literal e seu papel na narrativa se perde. O fato do jardim estar abandonado deveria resultar num lugar com vegetação mais densa e esculturas quebradas, mas a ponte feita para que isso seja explicado com misticismo é fraca. Tal fragilidade na coesão também é encontrada no tamanho do local. Imenso, fica difícil acreditar que a menina não levaria horas do dia apenas para chegar nele já que ele não está à vista da mansão.

Os coadjuvantes retratam outro elemento desbalanceado, como a desperdiçada assistente Martha (Isis Davis), que não justifica sua presença na história e seu irmão Dickon (Amir Wilson, cativante), que mais está na obra para avançar a jornada da protagonista ao invés de ser uma pessoa por si só. A descoberta do enfermo primo Colin (Edan Hayhurst) pontua momentos-chave da trama, mas o ator mirim ainda precisa de mais treino para que suas interações com a esperta Egerickx tivessem tido mais da acidez pretendida.

O filme procura contar uma bela história sobre a imensa dor do luto e as perigosas consequências que podem ocorrer com outras pessoas ao redor de alguém que não sabe se cuidar e, de certo modo, consegue fazê-lo com êxito, mas algumas escolhas narrativas equivocadas não permitem que a obra vá a fundo nos temas pretendidos. Apesar de tudo, não são falhas que subestimem a capacidade de crianças de se depararem e lidarem com sentimentos complexos como solidão e perda de um lado, e cura e gentileza de outro.

“O Jardim Secreto” não consegue o êxito de alguns de seus predecessores, possuindo alguns momentos expositivos demais e outros com informações vitais desequilibradas em seus níveis de sutileza, mas ainda consegue contar uma adequada história de amadurecimento com mensagens importantes para espectadores de todas as idades.

Bruno Passos
@passosnerds

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