Cinema com Rapadura

OPINIÃO   sábado, 05 de setembro de 2020

Jay & Silent Bob Reboot (2019): prato cheio para fãs do diretor

Longa de Kevin Smith só deve agradar conhecedores de suas obras antigas, já que não faz o menor esforço de conquistar novos fãs.

Kevin Smith lançou “O Balconista” em 1994, marcando seu nome na indústria de Hollywood e trazendo ao mundo os personagens Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (interpretado pelo próprio Smith) como coadjuvantes onde o primeiro é falastrão e dá vazão ao lado mais escatológico do humor do diretor. Este filme deu início ao “View Askewverso”, universo cinematográfico que reúne os personagens criados em vários longas do autor, sendo pontuados por participações da dupla citada – o nome vem da produtora de Kevin, View Askew. Em 2019, “Jay & Silent Bob Reboot”, o sétimo na ordem de lançamento, chegou aos cinemas americanos.

Este universo tem obras de boa qualidade, como “Procura-se Amy” e “Dogma”. Smith nunca foi um grande diretor, mas seus roteiros eram recheados de diálogos velozes, ácidos, hilários e recheados de referências à cultura pop que o autor tanto ama. É impossível ser fã de “Star Wars”, por exemplo, e não se divertir com os papos desenvolvidos nesses longas. Em 2001, “O Império do Besteirol Contra-Ataca” (quinto deste universo) trouxe Jay e Silent Bob para o protagonismo, no qual Smith abraçou a comédia típica da dupla sem um pingo de hesitação. Isto resultou num filme que conquistou aqueles que já conheciam e gostavam do trabalho do diretor, mas que pouco tinha o que oferecer a uma plateia nova. Tal característica está ainda mais reforçada neste longa em questão.

Novamente protagonistas, Jay e Silent Bob embarcam num road movie para Hollywood para impedir um reboot de “Bluntman e Chronic”, cujos personagens nasceram de quadrinhos baseados nos próprios personagens. A trama é basicamente a mesma do filme de 2001. Sim, é uma sinopse pobre, mas Smith não tenta oferecer uma obra séria em momento algum. Suas empreitadas fora deste universo não tiveram resultados de boa qualidade. Assim, sua volta às raízes em criar falas bobas e engraçadas cheias de metalinguagem (forçadas em alguns momentos) se prova um deleite para os fãs do “Askewverso”, mas vai alienar qualquer espectador que tentar conhecer seu cinema por meio deste longa. Pelo menos, o diretor não tem medo de satirizar a si mesmo, o que rende bons momentos de humor.

Uma enorme quantidade de elementos dos filmes passados voltam para este, de antigos protagonistas a participações especiais de astros de longas dos anos 1990 (e outras surpresas). Os 105 minutos são recheados de nostalgia com tempero do diretor, que acha espaço para incluir comentários sobre a vida, o universo e tudo mais, baseados em suas experiências, como o ataque cardíaco que teve um ano antes, sua necessária conversão ao veganismo e, acima de tudo, sua paternidade.

Em seu podcast “Fatman Beyond”, Smith comenta em inúmeras ocasiões o quanto ter se tornado um pai o modificou. Tal impacto é sentido e trazido à história quando, ainda no primeiro ato, Jay descobre que tem uma filha adolescente. Como sempre fez, o diretor usa o personagem para dar voz a muitas de suas ideias. Se sempre foi um falastrão que parece nunca ter saído do humor da quinta série, agora é um adulto que parece ter certo nível de maturidade, a qual ele procura abraçar mais com sua recente descoberta. O espelho com a vida de Smith é ainda mais nítido quando a atriz que interpreta a filha de Jay é sua filha, batizada de, veja só, Harley Quinn Smith.

Kevin Smith nunca foi um grande diretor, mas sempre soube usar seus textos para passar sua visão de mundo e, principalmente, seu amor pela cultura pop e a importância que a mesma tem para sua vida. Em seus vários anos como podcaster, ele sempre tentou jogar positividade para o mundo e para seus fãs, incentivando-os a perseguirem seus sonhos. Em “Jay & Silent Bob Reboot”, ele continua fazendo o mesmo e, para quem conhece e gosta de seus trabalhos antigos, é um deleite. Testemunhar o genuíno carinho que tem pela filha indica um amadurecimento no próprio autor e em seus personagens que, mesmo leve, ainda toca. Para quem nunca viu um trabalho dele, comece pelas outras obras citadas. Já para os admiradores de longa data, este filme pode não ser um hambúrguer gourmet, mas às vezes tudo o que se precisa é um sanduíche de fast food.

Bruno Passos
@passosnerds

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